Modificação forçada dos contratos de financiamento à promoção imobiliária – COVID-19, por Cristina Bogado Menezes
A pandemia internacional reconhecida pela Organização Mundial de Saúde no dia 11 de março de 2020, da doença COVID-19, provocada por um novo coronavírus (SARS-COV-2), com impacto na economia nacional e global, tem levado muitas empresas a suspender ou a reduzir a sua atividade.
Com o propósito de minimizar e mitigar as dificuldades com as quais as empresas já se confrontam ou confrontarão a curtíssimo prazo, o Governo português aprovou um conjunto de medidas extraordinárias de natureza económica, financeira e fiscal que visam assegurar o reforço da sua tesouraria e liquidez, reduzir a propensão para despedimentos e atenuar os efeitos da redução da atividade económica.
Em linhas gerais, o pacote de medidas (complementares) já aprovadas, que também abrange o setor imobiliário, conta com: i) possibilidade de implementação de um regime de Lay Off simplificado (nos termos do qual o empregador pode, temporariamente, reduzir os períodos normais de trabalho ou suspender contratos de trabalho e obter apoio financeiro destinado, exclusivamente, ao pagamento de remunerações), desde que verificada qualquer das situações que a lei reconhece configurar uma situação de crise empresarial; ii) prorrogação do prazo para o cumprimento e/ou parcelamento de obrigações fiscais perante a Autoridade Tributária e Aduaneira e de contribuições sociais à Segurança Social (podendo, excecionalmente, a empresa ficar isenta de tais contribuições durante o período da aplicação das medidas excecionais); e iii) medidas de apoio extraordinário à liquidez e tesouraria, compreendendo o diferimento do cumprimento de obrigações perante o sistema financeiro, bem como a implementação de regimes especiais de garantia pessoal do Estado e de outras pessoas coletivas de direito público e de sociedades de garantia mútua.
Continuando, das medidas excecionais implementadas pelo Governo, destacamos as previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que “Estabelece medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19”.
O referido Decreto-Lei, que entrou em vigor no passado dia 27 de março, surgiu como forma de assegurar a continuidade do financiamento às empresas e de prevenir eventuais incumprimentos resultantes da já constatada redução da atividade económica. Sinteticamente, as medidas excecionais nele previstas consubstanciam-se, por um lado, numa moratória quanto ao momento de cumprimento das obrigações pecuniárias dos empréstimos em curso (nomeadamente, pagamento das prestações de capital e juros e de comissões) e, por outro lado, na concessão de garantia especial pelo Estado e por outras pessoas coletivas de direito público ou por sociedades de garantia mútua, em qualquer dos casos, se estiverem cumpridas as condições ali impostas para a adoção concessão das referidas medidas excecionais.
Quanto à moratória, aplica-se às linhas de crédito e aos contratos de financiamento em curso, e prevê-se a sua implementação por via da: i) prorrogação da data de vencimento dos contratos com pagamento de capital bullet, por um período igual ao do prazo de vigência da medida excecional, aplicando-se o mesmo benefício a todos os acessórios do crédito, nomeadamente aos juros e a quaisquer garantias associadas, prestadas pelo próprio devedor ou por terceiros, designadamente as prestadas através de seguro ou de títulos de crédito; ii) suspensão da exigibilidade do pagamento das prestações de capital, de juros, de rendas, comissões e outros encargos que se vençam durante o período em que a medida vigorar, com capitalização dos juros, neste período, nas datas e pela taxa contratualmente previstas, com prorrogação automática do prazo de duração do contrato, bem como dos respetivos contratos de garantias, por um período idêntico ao da suspensão, e correspondente alteração do plano contratual de pagamento das referidas prestações pecuniárias; e, iii) proibição, até ao final do período em que a medida vigorar, da revogação, total ou parcial, das linhas de crédito e empréstimos contratados.
Em conformidade, a aplicação das medidas relativas à extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e demais encargos não dá origem a qualquer incumprimento contratual, ficando deste modo vedada a declaração de incumprimento contratual e/ou o acionamento das cláusulas de vencimento antecipado em decorrência daquele benefício.
Conforme previsto no mencionado Decreto-Lei, as referidas medidas excecionais, em vigor até ao dia 30 de setembro deste ano, embora se apliquem a operações de crédito concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito, sociedades de investimento, sociedades de locação financeira, sociedades de factoring e sociedades de garantia mútua, sucursais de instituições de crédito e de instituições financeiras a operar em Portugal a, entre outros beneficiários, empresários individuais e a empresas que tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal e preencham, cumulativamente, determinadas condições nele previstas, não se aplicam, nem a financiamentos destinados à compra de valores mobiliários ou à aquisição de posições noutros instrumentos financeiros, a operações de crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para fixação de sede ou residência em Portugal (incluindo para atividade de investimento), a operações de crédito concedido a empresas para utilização individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos de administração, de fiscalização, trabalhadores ou demais colaboradores, nem a empresas e entidades que integrem o setor financeiro, tendo o legislador considerado, entre outras, para o referido efeito, os organismos de investimento coletivo (OIC).
Ora, não se compreende a opção do legislador de excluir de forma generalizada os OIC do benefício, porquanto alguns deles são organismos de investimento imobiliário (fundos de investimento imobiliário e sociedades de investimento imobiliário), com uma política e prática de investimento não raramente focada na promoção e/ou reabilitação imobiliária, num negócio onde o investimento é essencialmente reprodutivo e criador de riqueza e onde a especulação financeira ou está ausente ou é marginal.
Acresce que, a atividade de promoção imobiliária (a atividade realizada pelas entidades que, direta ou indiretamente, impulsionam, programam, dirigem e financiam, com recursos próprios e/ou alheios, obras de construção ou reconstrução de prédios em geral), também realizada por OIC, é em larga medida suportada em financiamento bancário.
A atividade destes organismos tem um impacto económico positivo, proporcionando o aparecimento de externalidades positivas num conjunto de outras atividades e gerando efeitos multiplicadores a montante e a jusante. Esta sua especificidade e efeito alavanca na economia, justificariam a sua inclusão no elenco de entidades que podem beneficiar das medidas excecionais previstas no citado Decreto-Lei, sempre e quando os respetivos contratos de financiamento tivessem por finalidade um investimento reprodutivo e criador de riqueza, o que é o caso, por exemplo, dos contratos de financiamento à promoção e/ou reabilitação imobiliária.
Em boa verdade, as medidas previstas têm por finalidade apoiar a economia, a atividade produtiva e a manutenção do emprego, para que a retoma da atividade económica se possa fazer da forma menos interruptiva possível.
Assim sendo, não nos parece que os organismos de investimento imobiliário (fundos de investimento imobiliário e sociedades de investimento imobiliário), dado o papel que desempenham no desenvolvimento e fomento da atividade económica, gerando negócio e emprego, devessem ter sido excluídos do lote de beneficiários destas medidas de apoio excecional. A desconsideração e exclusão destes organismos de investimento imobiliário no leque de destinatários da norma se não é inconstitucional – por importar uma discriminação negativa e tratamento desigual entre entidades que, na essência, contratam financiamento para, direta ou indiretamente, impulsionar, programar, dirigir e financiar obras de construção e/ou reabilitação de imóveis – é com certeza de legitimidade duvidosa.
No limite, a ratio deve sobrepor-se à interpretação literal da lei, sob pena de resultados absurdos. Esta é, naturalmente, uma questão relevante que não pode ser desconsiderada, e não vindo a ser imediatamente revista pelo legislador pode dar azo a que os organismos de investimento imobiliário com investimentos fundamentalmente afetos ao fomento da atividade económica se socorram dos tribunais para obter decisão que lhes estenda o benefício, invocando, por exemplo, a proibição de discriminações negativas infundadas.
Quanto às empresas portuguesas que contrataram operações de crédito para o desenvolvimento de projetos imobiliários em Portugal, teoricamente, sempre que tenham interesse e cumpram as condições legalmente previstas, poderão beneficiar das medidas excecionais previstas no mencionado Decreto-Lei. Para o efeito, bastar-lhes-á enviar à instituição financeira concedente do crédito, uma declaração de adesão à aplicação da moratória, acompanhada dos documentos que comprovem que possui situação regularizada junto da Autoridade Tributária e da Segurança Social, sendo certo que, sempre que as condições legais de acesso ao regime estejam preenchidas, a instituição financeira não pode deixar de aplicar a moratória, sob pena de incorrer em contraordenação punível nos termos do artigo 210.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
Há, porém, uma pergunta que não quer calar: serão estas medidas suficientes para responder às necessidades dos promotores imobiliários, em particular?
Ora, considerando que por determinação legal os OIC, não raras as vezes promotores de grandes projetos imobiliários, estão excluídos do âmbito de aplicação das referidas medidas excecionais, que nem sempre as empresas de promoção imobiliária conseguirão atender as condições legalmente exigíveis para beneficiar de moratória e/ou de garantia especial de cariz público e, sobretudo, que a atual situação impede o normal desenvolvimento das obras que, parcial ou integralmente paradas, mantêm custos fixos elevados, o que as impede de ajustar os seus planos de tesouraria e o cumprimento das obrigações financeiras aos níveis de atividade, deixando por ora de lado a consideração de que a recessão económica já perspetivada afetará a capacidade de colocação dos imóveis no mercado e o sucesso de venda, é evidente que, apesar do esforço governamental para mitigar os efeitos económicos do COVID-19, não serão poucas as situações em que os promotores imobiliários não conseguirão fazer face ao cumprimento das respetivas obrigações financeiras nos termos contratualmente acordados, por razões que lhes são completamente alheias e com as quais se viram confrontados no curso de um contrato de financiamento.
Sendo assim, o que lhes resta? Pois, o incumprimento contratual – nomeadamente o não pagamento atempado das obrigações pecuniárias emergentes dos contratos de financiamento – confere aos bancos o direito de declarar o vencimento antecipado da dívida, resolver o contrato de financiamento, executar as garantias etc, etc, etc. Consequência? Impacto não só na empresa em causa (e por tabela em muitos postos de trabalho), mas na economia em geral, pois a situação que se perspetiva não é isolada, mas resultante de uma conjuntura que afeta várias empresas ao mesmo tempo.
Ora, a aplicação, sem mais, do princípio pacta sunt servanda (o contrato é lei entre as partes), as empresas mutuárias e os seus garantes (não raras as vezes outras empresas do mesmo grupo de empresas) ver-se-ão confrontados com cenários que há bem pouco tempo atrás foram realidade no país, quais sejam, processos de execução sucessivos e declaração de insolvência, sobretudo no âmbito das empresas relacionadas com o setor imobiliário (em especial, de promoção imobiliária e construção).
Atento o exposto e por tudo quanto ficou já dito, questiona-se: não logrando acordo com a instituição financeira com a qual mantém contrato de financiamento, para alterar o contrato em termos que permitam o cumprimento atempado das obrigações dele emergentes (por exemplo, prorrogação do prazo de duração do contrato, redução da taxa de juros, carência no pagamento de capital e juros etc), não terão as empresas de promoção imobiliária inteira legitimidade para requer a modificação do contrato com fundamento na alteração anormal das circunstâncias prevista no artigo 437.º do Código Civil?
Pois bem. Determina o número 1 da referida disposição legal que, “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Por via desta disposição legal, a parte do contrato que detete a impossibilidade do seu cumprimento, tal como contratado, por ter ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar (ou de negociar), pode pedir, judicialmente, a modificação (ou resolução) do contrato invocando e demonstrando que ocorreu uma modificação essencial e totalmente imprevisível das circunstâncias que fundaram a decisão de contratar, que impacta de forma decisiva na sua capacidade de cumprimento do contrato, tal como se encontra firmado. A manutenção do contrato, tal qual, em circunstâncias tais, seria injusto e não serviria, nem o direito, nem o comércio.
A problemática em causa tem por referência o que atualmente e em geral é designado por “base do negócio”, a relação entre o negócio jurídico contratado e a realidade concreta à data da contratação e a realidade passível e possível de ser perspetivada pelas partes contratantes naquela altura (integrantes dos riscos do próprio negócio). Historicamente falava-se em rebus sic stantibus, expressão em latim que pode ser traduzida como “estando assim as coisas”, de modo a significar que situações ou obrigações terão validade enquanto a situação que lhes deu origem se mantiver. A “base do negócio” e as “circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar” são exatamente a mesma coisa; são aquelas circunstâncias que levaram as partes a contratar, e a contratar tal como contrataram. A invocação da alteração das circunstâncias decorre da discrepância entre aquela vontade com a realidade, que pode ser originária ou subsequente.
Na situação ora verificada importa avaliar a discrepância subsequente, por uma alteração anormal das circunstâncias, que provoca uma onerosidade excessiva para uma das partes, tornando injusta a manutenção do contrato de financiamento, tal como contratado.
Em socorro da invocação do referido instituto que, teoricamente, permite a modificação (ou resolução) do contrato, importa ter presente, por um lado, que o Decreto-Lei n.º 10-J/2020 expressamente reconheceu que a pandemia da doença COVID-19 configura um evento excecional com consequências graves para a economia, nos termos do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e, por outro lado, que o Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, clarificou o conceito de crise empresarial para efeitos das medidas excecionais e temporárias, aplicáveis nomeadamente ao Lay Off, definindo situações de crise empresarial que, por analogia, poderão ser aplicáveis a outras situações e não apenas para efeitos de Lay Off na empresa (tais situações são, por exemplo, encerramento total ou parcial da empresa ou estabelecimento, decorrente do dever de encerramento de instalações e estabelecimentos, ou por determinação legislativa ou administrativa, ou ao abrigo da Lei de Bases da Proteção Civil, assim como da Lei de Bases da Saúde; paragem total ou parcial da atividade da empresa ou estabelecimento que resulte da interrupção das cadeias de abastecimento globais; quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40 % da faturação no período de trinta dias anterior ao do pedido de aplicação do Lay Off junto dos serviços competentes da segurança social).
Ora, sendo inequívoco que a lei reconhece que a situação atual é um evento excecional com consequências graves para a economia, verificando-se, por exemplo, no plano concreto da empresa alguma situação legalmente definida como sendo de crise empresarial e, sobretudo, considerando o impacto da pandemia do COVID-19 na sua atividade e na concreta situação económico-financeira em que a empresa se encontrará por efeito direto disso, é admissível que as empresas invoquem a alteração anormal das circunstâncias, para obterem a modificação dos respetivos contratos de financiamento, caso não logrem obter alteração por mero consenso com a entidade financiadora.
Contudo, é importante ter presente que apesar da crise económica que já vem afetando o país ser um facto notório, e até legalmente reconhecido, isto não é, por si só, suficiente para que se possa recorrer, sem mais, ao instituto da alteração anormal das circunstâncias previsto no artigo 437.º do Código Civil com o fim de obter a modificação dos contratos de financiamento em curso.
Com efeito, a posição assumida pelos Tribunais Superiores portugueses têm sido no sentido de ser necessário existir uma correlação direta, que seja factualmente demonstrada, entre a crise económica geral e a atividade económica concreta de determinado agente económico, posição esta que os tribunais mantiveram na última crise económica vivida no país. Mais assumem que, para que seja possível a resolução ou, ao menos, a modificação das cláusulas do contrato fundada na alteração anormal das circunstâncias, mister se torna que: i) a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato; ii) essa alteração torne o cumprimento da obrigação ofensivo dos princípios da boa fé; iii) não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato; e, iv) a alteração ocorrida não seja o desenvolvimento previsível de uma situação conhecida à data da celebração do contrato.
Acresce que, por aplicação do disposto no artigo 438.º do Código Civil, mesmo que se verifiquem os pressupostos da resolução ou modificação do contrato, se a parte estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou, a parte lesada não goza do direito de resolução ou de modificação do contrato. Por consequência, a empresa que pretenda invocar o instituto para obter a modificação do contrato de financiamento, tinha que estar em situação de cumprimento contratual no momento em que a situação excecional e imprevisível relacionada ao COVID-19 se verificou no país, e afetou a sua atividade e capacidade de cumprimento das respetivas obrigações financeiras.
Ainda, conforme posição assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 22/06/2017, a interpretação e a aplicação dos pressupostos do referido instituto, que permite a resolução ou modificação do contrato por alterações das circunstâncias, “não deve ser feita de forma atomizada ou parcelar, numa lógica conceptual subsuntiva, mas na sua implicação recíproca, já que a alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar não é alheia ao risco inerente ao próprio negócio, nem a verificação de tais requisitos e das suas consequências poderão deixar de ser perspetivados a luz de uma ponderação mais global dos princípios orientadores da boa fé e da tutela da confiança.” Isto porque, na alteração das circunstâncias a base do negócio é bilateral, pois que respeita simultaneamente aos dois contraentes.
Neste mesmo acórdão, este Tribunal Superior acrescentou que “tratando-se de conceitos indeterminados, o seu preenchimento não deve ser realizado de modo abstrato, apriorístico, sob um prisma marcadamente categorial, mas antes mergulhando na substancialidade do caso concreto.”
De mais a mais, o facto é que, muito embora uma crise económico-financeira possa criar desequilíbrios económicos suscetíveis de provocarem alterações anormais das circunstâncias, os tribunais entendem que nem todos os incumprimentos – em tempos de crise – se ficam a dever a essa alteração das circunstâncias. É necessário que haja uma correlação direta e factualmente demonstrada, entre a crise económica geral e a atividade económica concreta de determinado agente, para que se possa falar de uma alteração anormal das circunstâncias, de modo que é essencial resultar provado que a degradação da capacidade económica da empresa, e que a conduziu à impossibilidade de satisfazer as obrigações contratuais assumidas perante a instituição financeira, se tenha ficado a dever à crise económica decorrente do COVID-19 (crise nacional e internacional). A não ser assim, não está configurada a previsão do n.º 1 do artigo 437.º do Código Civil.
Deste modo, é essencial a empresa demonstrar que, em virtude deste factor externo ocorreu um agravamento da sua situação financeira, altamente desproporcionado em relação ao custo que possa advir para a instituição financeira da resolução ou da modificação do contrato, em termos de ser considerado como prejuízo gravemente atentatório do princípio da boa fé, sendo ainda exigível que a empresa mutuária alegue e demonstre os factos essenciais de tal prejuízo grave.
Concluímos, assim, que pese embora seja teoricamente possível a modificação dos contratos de financiamento com fundamento na crise económico-financeira – nacional e internacional – decorrente da pandemia provocada pelo COVID-19, a plausibilidade da invocação de alteração anormal das circunstâncias para modificação dos referidos contratos (visando, por exemplo, prorrogação do prazo do prazo do contrato, alteração das condições financeiras para aliviar o serviço da dívida, alteração do plano de pagamentos etc), ficará, por norma, dependente de uma análise casuística da situação concreta que cada empresa experimentará em decorrência da referida situação, suscetível de refletir na sua capacidade de cumprimento do contrato tal como contratado.
Latest Posts
2ª. Edição Ebook Regime excepcional para o sector imobiliário
Regime Excepcional para o Sector Imobiliário 2ª edição do Ebook que reúne as alterações à Lei n.º 4-C/2020 - Regime excecional para as situações...
2ª. Edição Ebook Regime excepcional para o sector imobiliário
RSA Com mais 3 novos sócios de capital
Estes 3 novos sócios de capital representam a concretização do objetivo principal que a RSA traçou nos últimos anos, ou seja, prestar uma assessoria...
RSA Com mais 3 novos sócios de capital
Nova Lei dos Contratos Públicos
Foi publicada em Diário da República, no pretérito dia 23 de Dezembro, entrando em vigor no dia 21 de Janeiro de 2021, a nova Lei dos Contratos...