As exceções à suspensão dos atos no processo executivo, por Tiago Lopes Lima
A versão original da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, não dedicou um espaço específico à ação executiva. No entanto, a nova redação dos artigos 7.º e 8.º daquele diploma, trazida pela Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, revela-se terreno fértil para discussão nesse domínio.
Na realidade, mais do que uma transposição do regime das férias judiciais para o contexto do processo de execução, à semelhança com o que sucede nos demais processos não urgentes, a opção do legislador – amplamente discutível – parece apontar no sentido de uma paralisação quase total, salvo circunstâncias em que a ponderação casuística de interesses imponha uma inflexão a um ínsito e indiscriminado princípio geral de inviolabilidade da posição jurídica dos executados.
Dispõe o art. 7.º, n.º2, alínea b) que ficam suspensos “Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus atos preparatórios, com exceção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial”.
Antes de mais, é questionável a remissão operada para o n.º2 do art. 137.º do Código Processo Civil, que pecará até por redundante, dado que terá sido intenção do legislador ir bem mais longe do que a mera suspensão de prazos; envereda-se aqui pela definição de um regime específico que, pese a sobreposição com o CPC na parte do “prejuízo irreparável”, delimita de forma clara quais os atos que excecionalmente poderão ser praticados, com exclusão das citações, notificações e os registos de penhora.
Assim, o vocábulo “ou” parece apontar para a possibilidade da prática de atos em duas circunstâncias excecionais: por um lado, quando o exequente (pessoa singular ou coletiva) veja em causa a sua subsistência, independentemente do ato em causa; por outro, aqueles cuja não realização provoquem prejuízo irreparável. Na primeira hipótese está em causa o sujeito (exequente), ao passo que na segunda se trata de apurar a irreparabilidade do objeto (bens penhoráveis).
No que tange à primeira possibilidade, cremos que o exequente que pretenda a prática de um determinado ato com base na sua subsistência deverá fazer uma prova sumária do prejuízo grave que daquela omissão ou postergação resultaria na sua esfera jurídica, impendendo sobre si o devido ónus de alegação sob pena de indeferimento. Uma vez que se trata da aferição de uma situação intrínseca ao exequente, surge a dúvida quanto ao facto de a urgência e excecionalidade do expediente impor necessariamente a verificação do contraditório, nos termos do art. 3.º, n.º3 do CPC, nos casos em que a normal prática do ato em questão não o impusesse.
Menos pacífico ainda será o problema resultante da falta da definição de um critério objetivo para concretização do conceito de subsistência do exequente. Contrariamente à opção vertida noutros diplomas, nomeadamente quanto à fixação dos requisitos para que uma determinada empresa fosse elegível para o layoff simplificado, a alínea b) não fornece qualquer critério que permita, direta ou indiretamente, compreender quais as linhas que deverão nortear a decisão do tribunal quanto à verificação do risco de subsistência. Levantam-se mais interrogações do que certezas neste particular: sendo o exequente pessoa singular, deverá provar que ficou privado de todas as suas fontes de rendimento? O referencial deverá ser o da quebra de rendimentos por comparação com um período pré-covid? Deverá o risco de subsistência ser avaliado nos mesmos moldes com que é relevada a insuficiência económica no âmbito do acesso ao direito?
Quanto às pessoas coletivas, embora inexista referência expressa nesse sentido, será seguro afirmar que a verificação de uma situação de crise empresarial, aferida nos termos do Decreto-Lei n.º 10-G/2020. de 26 de março, poderá representar uma linha orientadora para os Tribunais nesta matéria, da mesma forma que não seria de excluir a recuperação neste âmbito do critério de empresa em situação económica difícil do 17.º-B do CIRE – ou seja, com dificuldade em cumprir pontualmente as suas obrigações.
De todo o modo, seja o exequente pessoa singular ou coletiva, e mesmo que estivéssemos perante a existência de um critério objetivo, a Lei 4-A/2020 parece inculcar a necessidade de verificação de um nexo de causalidade entre o concreto ato a praticar e o prejuízo grave para a subsistência do exequente, pelo que sempre caberá ao Tribunal, casuística e discricionariamente, a faculdade de admitir ou não a realização de determinada diligência ou a prática de um ato em face dos bens e das posições jurídicas a tutelar no caso concreto.
Já quanto à segunda possibilidade, da realização de atos cuja omissão provoque prejuízo irreparável, não relevará a condição económica do exequente, mas sim o risco de frustração irreparável do crédito. Será o caso em que, por exemplo, possa existir o risco irreversível de dissipação de saldos bancários, assumindo a prática de atos neste contexto uma natureza cautelar que, com a salvaguarda dos limites de penhorabilidade, não colocará em risco a situação do executado.
Se crítica poderá ser efetuada a este regime, reside no facto de assentar numa tutela quase total do executado, independentemente dos seus rendimentos e demais bens suscetíveis de penhora. A título exemplificativo, será votada à estagnação qualquer diligência de venda, salvo demonstração de prejuízo grave para a subsistência do exequente, ainda que o imóvel objeto do ato a praticar não corresponda a habitação própria e permanente do executado, penalizando de forma porventura excessiva instituições bancárias e demais empresas que, por não perigar a sua subsistência, não poderão ver satisfeitos os seus direitos de crédito.
Em suma, a solução em apreço induz uma quase paralisação por tempo indefinido da ação executiva, cabendo aos Tribunais a prudência de não desequilibrar os bens jurídicos a tutelar, sob pena de se conceder uma proteção excessiva a executados que beneficiem de um regime sem o correspondente prejuízo. Importa relembrar que, na grande maioria dos casos, estarão em causa situações de incumprimento verdadeiramente patológico, podendo o contexto de crise e a solução ora consagrada dar cobertura a situações de profundo oportunismo em prejuízo dos titulares dos direitos de crédito. Ademais, se por um lado a recuperação de créditos bancários fica amplamente limitada, será uma incógnita a real dimensão do prejuízo para os exequentes que não “grandes litigantes”, à mercê de uma decisão judicial que pode não ser suficientemente diligente para acorrer a situações de extrema necessidade. Basta pensar, entre outras hipóteses, na tutela dos credores numa ação de execução por alimentos – processo que não terá obrigatoriamente natureza urgente – para se compreender a multiplicidade de cenários em jogo e os riscos em que se pode incorrer.
Latest Posts
Resumo Editorial 2020
A RSA-LP faz opinião! Conheça o nosso resumo editorial 2020....
Resumo Editorial 2020
Tribunais de comércio podem ajudar a viabilizar empresas
“Só a criação de um verdadeiro sistema nacional de justiça (SNJ) poderá evitar que no pós-Covid a maioria das micro e pequenas empresas...
Tribunais de comércio podem ajudar a viabilizar empresas
Fundo PME para registo de marcas, desenhos ou modelos
A situação de calamidade pública, ocasionada pela Covid-19, exigiu a aplicação de medidas extraordinárias urgentes e a restrição de direitos,...