O regime excepcional e temporário relativo aos contratos de seguro, por César Garcia e Manuel Camarate Campos
Artigo original Revista Espanha-SEAIDA
El régimen excepcional y temporal aplicable a los contratos de seguro en Portugal.
Perante a epidemia de Covid-19 e as consequências das medidas restritivas adoptadas para a conter na economia do País, o Governo português aprovou um regime excepcional e transitório relativo aos contratos de seguro trazendo a novidade de uma imperatividade relativa da norma que exige o pagamento prévio do prémio de seguro para que haja cobertura do risco e enquadrando a possibilidade de ser acordado entre seguradora e tomador de seguro uma redução do prémio de seguro por redução temporária do risco coberto.
A situação de calamidade provocada pela pandemia da doença COVID-19 na sociedade portuguesa obrigou os poderes públicos a dar respostas em diferentes áreas da vida dos cidadãos, tanto no âmbito da sua vida privada, como no âmbito profissional.
Resulta claro que, a par das questões de saúde, os reflexos da pandemia e das medidas restritivas adoptadas para a conter na economia do País estão igualmente no centro das preocupações de cidadãos e empresas.
A partir do início de Março deste ano e, sobretudo, com a Declaração do estado de emergência pelo Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de Março, muitas e em planos diversos têm sido as medidas legislativas excepcionais e temporárias promovidas para fazer face ao momento único que vivemos.
No domínio específico dos seguros, tais medidas vieram recentemente a ser consagradas através do Decreto- Lei nº 20-F/2020, de 12 de Maio, que veio estabelecer um regime excepcional e temporário relativo aos contratos de seguro.
O referido diploma legal apresenta um duplo propósito.
Por um lado, permitir que tomador do seguro, em caso de necessidade, possa convencionar com a seguradora um regime mais favorável de pagamento do prémio do seguro, nomeadamente que este pagamento ocorra em data posterior à do início da cobertura de riscos, o afastamento da resolução automática ou da não prorrogação em caso de falta de pagamento, o fracionamento do prémio, a prorrogação da validade do contrato de seguro ou a suspensão temporária do pagamento do prémio.
Esta flexibilidade, temporária e a título excepcional, do regime do pagamento do prémio traduz-se numa alteração de um princípio estruturante consignado nos artigos 59º e 61º do regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, na sua redacção actual, que estabelece a imperatividade absoluta de o início ou a renovação da cobertura de um risco ser precedida do pagamento do respetivo prémio, determinando a falta de pagamento do prémio a não cobertura do risco, princípio esse que passa a ter a natureza de uma imperatividade relativa.
Nos seguros obrigatórios, na ausência de acordo entre o tomador de seguro e a seguradora, em caso de falta de pagamento do prémio ou fracção na data de vencimento, o contrato de seguro é automaticamente prorrogado por um período de 60 dias a contar da data de vencimento do prémio ou da fracção devida. A prorrogação do contrato nestes moldes, para além de dever ser informada pela seguradora com a antecedência mínima de 10 dias em relação à data de vencimento do prémio, deve ser reflectida no respectivo certificado de seguro. Em qualquer caso, mantém-se sempre a obrigação de pagamento do prémio pelo tomador do seguro correspondente ao período em que o contrato tenha vigorado, que poderá ser objecto de compensação com valores devidos pela seguradora, designadamente com prestação pecuniária por esta devida em razão de sinistro ocorrido no período de vigência do contrato. Naturalmente que tal compensação não será viável se o beneficiário da prestação for pessoa diversa do tomador de seguro – segurado ou beneficiário.
A questão que se poderá colocar é a de saber o que sucede se o tomador de seguro, apesar de a tal estar obrigado, não proceder ao pagamento do prémio? Perante o regime totalmente excepcional definido, a resposta terá de ser a de que cobertura do seguro sempre existirá, ficando a seguradora credora do valor do prémio ou fracção não pago, que poderá cobrar do tomador de seguro, máxime pela via judicial.
O segundo propósito do Decreto-Lei nº 20-F/2020 é o de estabelecer um regime excepcional em caso de redução efectiva ou suspensão da actividade do tomador do seguro, considerando-se, a exemplo do já consagrado no regime exepcional de lay off simplificado, existir uma redução substancial da actividade quando o tomador do seguro esteja em situação de crise empresarial, incluindo quando registe uma quebra abrupta e acentuada de, pelo menos, 40% da sua facturação.
Assim, o tomador de seguro que tenha a sua actividade suspensa, cujo estabelecimento haja sido encerrado por força das medidas excepcionais e temporárias adoptadas em resposta à pandemia da doença COVID-19, ou com redução substancial da sua actividade em resultado dessas medidas, pode solicitar à seguradora o reflexo dessas circunstâncias no prémio de seguro que cubra riscos da actividade – v.g. seguros de responsabilidade civil profissional, seguros de responsabilidade civil geral, seguros de acidentes de trabalho, seguros de acidentes pessoais, em particular o seguro desportivo obrigatório, ou seguros de assistência -, podendo ainda requerer o fraccionamento do pagamento do prémio referente à anuidade em curso, sem custos adicionais.
Ainda, caso o prémio tenha sido integralmente pago no início da anuidade, o montante da sua redução decorrente da redução do risco é deduzido do montante do prémio devido na anuidade subsequente ou, caso o contrato de seguro não se prorrogue, estornado no prazo de 10 dias úteis anteriores à respectiva cessação, salvo convenção em contrário.
A vexata quaestio a consensualizar entre as partes, tomador de seguro e seguradora, é a exacta medida de diminuição de risco ocorrida, em particular no caso de mera redução de actividade/quebra de facturação, e de que modo tal diminuição de risco se reflecte no prémio de seguro. Aqui chegados, há uma notória diferença de armas, com a grande dificuldade que, na maior parte dos casos, terá o tomador de seguro na quantificação da redução do risco da sua actividade e do seu reflexo na redução do prémio, por oposição à seguradora que baseia a essência da sua actividade em cálculos matemáticos e actuariais, inacessíveis ao consumidor de seguros.
Tomemos o exemplo de um estabelecimento de restauração, com um seguro de responsabilidade civil subscrito para cobertura de danos na saúde (v.g. intoxicações) dos seus clientes, pelas refeições que vende. Durante o período de estado de emergência e no período subsequente até 17 de Maio, pôde continuar a fornecer refeições em take away. Ainda que possa provar a redução de facturação, como se faz o fine tuning da redução do risco e do prémio inerente?
E como se soluciona o desacordo entre tomador de seguro e seguradora quanto à redução do risco e do prémio? Admite-se que a norma regulamentar que o Decreto-Lei nº 20-F/2020 impõe à ASF seja emitida, para densificação dos deveres das seguradoras previstos no diploma, possa trazer alguma luz a este respeito.
Em síntese, o Decreto-Lei nº 20-F/2020, em vigor até 30 de Setembro de 2020, veio trazer a novidade, por um lado, de um regime de imperatividade relativa da norma que exige o pagamento prévio do prémio de seguro para que haja cobertura do risco e a possibilidade de ser acordado entre seguradora e tomador de seguro uma redução do prémio de seguro por redução temporária do risco coberto.
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