Sobre a inconstitucionalidade do direito de preferência do arrendatário
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do artigo 1091.º, número 8, do Código Civil, na redacção que lhe havia sido dada pela Lei número 64/2018, de 29 de Outubro.
Esta norma instituiu um direito de preferência a favor do arrendatário habitacional, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal. Entendeu o Tribunal Constitucional – bem – que tal direito, limitando excessivamente o direito à transmissão em vida da propriedade privada (consagrado no artigo 62.º, número 1, da Constituição da República Portuguesa), não lograva alcançar os objectivos de favorecimento dos arrendatários no acesso à habitação própria.
Ao estabelecer o direito de preferência do arrendatário habitacional na aquisição da parte de um imóvel não submetido ao regime da propriedade horizontal, a Lei número 64/2018 veio permitir-lhe tornar-se titular de um direito real. Da análise do catálogo típico dos direitos reais, e do regime que resultava da Lei número 64/2018, logo constatamos que, uma vez exercida a preferência, o arrendatário se tornava comproprietário do imóvel.
Simplesmente, o regime da compropriedade não é compatível com o regime que o legislador pretendeu criar no artigo 1091.º, número 8, do Código Civil. De facto, o que caracteriza a compropriedade é a participação numa quota abstracta da propriedade de uma coisa, não havendo direito a uma parte concreta e específica do bem.
Mas o que o legislador da Lei número 64/2018 quis inequivocamente foi afastar esta natureza abstracta da compropriedade e atribuir ao arrendatário preferente um concreto direito sobre uma parte específica e concreta do imóvel onde se integrava o espaço antes locado. É o que resulta com toda a clareza, do corpo do artigo 1091.º e da sua alínea c).
Assim, o que o legislador criou foi um contraditório regime de compropriedade, com um direito do ex-arrendatário ao uso de uma parte concreta e determinada da coisa que não se vê como pudesse ter mais do que carácter meramente obrigacional e, ainda aí, uma obrigação imposta às partes pela lei, prescindindo da respectiva liberdade e autonomia.
Desta forma, a solução encontrada não salvaguardou eficazmente o acesso à habitação própria do inquilino que queria promover e limitou de forma desproporcionada o direito do proprietário a dispor livremente dos seus bens, limitando também a autonomia privada pois força a existência de um acordo sobre a utilização da coisa comum, no qual ninguém consentiu.
Veja-se, por exemplo, que um arrendatário com mais de 65 anos e com um contrato por tempo indeterminado obtém maior proteção nesta posição do que como comproprietário. Isto porque, em caso de transmissão do imóvel a terceiro, transmite-se também a posição de senhorio, mantendo o arrendamento as mesmas características. Contudo, uma vez em compropriedade, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1412.º do CC “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão”, podendo recorrer ao processo especial de divisão de coisa comum previsto nos artigos 925.º e seguintes do Código de Processo Civil, para fazer cessar a compropriedade.
Esta é mais uma alteração ao regime do arrendamento urbano, com profundos impactos na sua dinâmica. Intervenções como esta limitam o investimento na medida em que, qualquer investidor que pretendesse comprar um prédio na totalidade poderia resolver o negócio em caso de exercício do direito de preferência de uma parte do imóvel, entregando assim um prédio ao senhorio e ao arrendatário os quais, provavelmente não iriam ter meios para reabilitar o imóvel. Por outro lado, é dado, mais uma vez, aos investidores a ideia de constante mutação acentuada no mercado o que, naturalmente, gera desconfiança e afasta investidores. Tudo isto afeta negativamente um sector que tem sido responsável por uma grande parte da reabilitação urbana em Portugal.
Não garantindo a preferência o acesso à habitação própria, nem a manutenção do consorte no local anteriormente arrendado, bem andou o Tribunal Constitucional ao reiterar que a actual Lei “sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional” e que “a possibilidade da preferência numa quota do prédio não permite alcançar os objetivos que estão na sua base, pois dessa forma o inquilino não acede de imediato à propriedade da habitação, nem se consegue eliminar a eventual especulação imobiliária“.
António Cardoso e Nuno Costeira, Advogados Associados da RSA-LP Porto.
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