
O “Talão Fiscal” como novidade do Orçamento de Estado para 2021
O “Talão Fiscal” como novidade do Orçamento de Estado para 2021
A Proposta do Orçamento de Estado para 2021, aprovada na generalidade no dia 8 de Outubro, vem apresentar, com alguma euforia, aquela que promete ser a grande novidade para o próximo ano – o “talão fiscal” ou o agora designado “Ivaucher”-, que se junta à promessa de aumento extraordinário das pensões, sem indicação dos critérios, e do salário mínimo nacional em cerca de, pelo menos, vinte e quatro euros.
Trata-se de um mecanismo que, por um lado, pretende ter um impacto positivo no rendimento das famílias, mas, sobretudo, visa estimular a economia e incentivar o consumo nos sectores da restauração, alojamento turístico e cultura que, como sabemos, são dos mais afetados pela crise económica criada pela pandemia de COVID-19.
O talão fiscal dará descontos diretos a todos os contribuintes, mediante a atribuição de um crédito de IVA que poderá ser utilizado posteriormente em despesas efetuadas em restauração, alojamento turístico e cultura.
Na prática, os contribuintes que aderirem ao talão fiscal irão acumular durante o período de três meses a totalidade de uma parte do IVA pago em despesas de restauração, alojamento e cultura. Por sua vez, nos três meses subsequentes os contribuintes poderão gastar o crédito acumulado de IVA em consumos nesses mesmos sectores.
O Governo prevê uma reserva de 200 milhões de euros para o reembolso de parte do IVA pago pelos portugueses com consumos nos sectores da restauração, alojamento e cultura, constituindo este o valor estimado do custo da implementação desta medida incluída na Proposta do Orçamento de Estado para 2021.
De forma a concretizar este mecanismo o Governo, em conjunto com a SIBS, encontra-se a estudar uma solução tecnológica que permita gerir o crédito com a devolução do IVA acumulado.
Importa aqui analisar e conjeturar o verdadeiro impacto que esta medida terá, quer no orçamento das famílias, quer nos sectores económicos que visa atingir.
Em primeiro lugar, não se sabe ainda ao certo qual a percentagem do valor do IVA que será creditado no talão fiscal e se, efetivamente, terá impacto significativo no orçamento familiar dos portugueses no final de cada período de três meses de consumo.
Por outro lado, segundo os dados recentes do inquérito mensal feito pela AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, cerca de 40% das empresas de restauração e bebidas e 25% do alojamento turístico já despediram desde o início da crise pandémica, verificando-se ainda uma redução significativa do quadro de pessoal das empresas desses sectores e a ameaça iminente de mais despedimentos e insolvências em massa.
Ainda de acordo com os dados apurados neste inquérito, mais de 93% das empresas consideram insuficientes as medidas do Governo para assegurar a sobrevivência dos seus negócios (e, consequentemente, dos postos de trabalho), 81% das quais consideram fundamental a implementação da redução temporária da taxa do IVA nos serviços da restauração e bebidas.
Já o sector da cultura e das artes é sem dúvida o mais afetado pela crise pandémica, a qual revelou a sua fragilidade e a precariedade dos seus trabalhadores que carecem desesperadamente de meios de subsistência.
Tendo em conta este cenário e o crescente aumento do desemprego nestes sectores de atividade, o consumo irá inevitavelmente diminuir e o mecanismo do talão fiscal poderá não ser suficiente para, por um lado, estimular a economia e incentivar o consumo nos sectores de restauração, alojamento turístico e cultura que não são de primeira necessidade e, por outro, não podemos ter a convicção que esta medida terá um impacto muito significativo para o “bolso” dos portugueses.
Em boa verdade, a sobrevivência das empresas e a manutenção dos postos de trabalho, que carecem de medidas fiscais e de apoios financeiros mais adequados e eficazes, não poderá esgotar-se na euforia do dito “talão fiscal” de incentivo ao consumo.
A situação é tendencialmente mais difícil e complexa, se pensarmos na dependência que a restauração e o alojamento têm dos mercados turísticos internacionais e de estarmos a entrar na chamada “época baixa” do turismo.
Por outro lado, o Conselho de Ministros aprovou no dia 8 de Outubro o Decreto-Lei n.º 90/2020 que altera o apoio extraordinário à retoma progressiva da atividade de empresas em situação de crise empresarial em vigor, como medida de combate ao desemprego, que permite reduzir o horário de trabalho na totalidade para as empresas que registaram quebras muito acentuadas na faturação.
Veremos se o mecanismo do “talão fiscal” juntamente com as medidas recentemente tomadas de combate ao desemprego irão atenuar o impacto nefasto da crise económica originada pela pandemia de COVID-19 no orçamento familiar dos portugueses que, inevitavelmente, se repercutirá no consumo que o Governo pretende incentivar.
“O “Talão Fiscal” como novidade do Orçamento de Estado para 2021”, por Sara Minhalma, Advogada Associada na RSA no Núcleo Algarve.
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