
Entrevista Vida Judiciária – Actuação no âmbito do Direito Imobiliário
Entrevista Vida Judiciária – Actuação no âmbito do Direito Imobiliário
P: Relativamente aos veículos de investimento para o setor imobiliário, quais as principais referências que devem ser ponderadas pelos Investidores na estruturação dos seus investimentos imobiliários/turísticos?
João Ricardo Nóbrega: Não havendo propriamente um padrão exclusivo em termos dos aspetos fundamentais a considerar pelos investidores aquando da escolha de um determinado veículo de investimento, diria, em função da nossa experiência, que existem diversos key factors que são relativamente transversais a todos os investidores. A título exemplificativo, podemos elencar: (i) a natureza jurídica (com ou sem personalidade jurídica), (ii) o regime da responsabilidade dos detentores do capital, (iii) requisitos de capital mínimo, (iv) custos de constituição e manutenção do veículo, (v) prazo de constituição, (vi) composição/estrutura dos órgãos sociais (em particular, responsabilidade pela gestão e fiscalização); (vii) modalidades de autofinanciamento e naturalmente o respetivo (viii) quadro fiscal aplicável. Claro está que a ponderação final sobre o veículo que melhor se adequa ao investimento pretendido deve ter, ainda, em linha de conta o perfil do Cliente, a escala do investimento, duração expetável e estratégia de saída, estrutura acionista envolvida, nomeadamente a existência ou não de parceiros (privados ou institucionais).
P: De acordo com a vossa experiência, em particular no que concerne aos Organismos de Investimento Imobiliário (OII) – Fundos e Sociedades de Investimento Coletivo – quais são os principais pressupostos/objetivos e vantagens que os Investidores identificam ou pretendem alcançar?
João Ricardo Nóbrega: No seguimento da resposta anterior, não pretendendo ser exaustivo nem estabelecer qualquer ordem hierárquica, ao nível dos pressupostos e objetivos podemos identificar: o valor de investimento, tendencialmente superior a 5 milhões de euros; a natureza dos ativos que integrarão a carteira do OII, em regra, para desenvolvimento e futura alienação e/ou geradores de um rendimento predial – ativos de rendimento; a segurança do investimento, por via da mitigação de riscos decorrentes da existência de regras prudenciais impostas pelo quadro legal e regulamentar aplicável; o acesso a uma gestão mais profissional e eficiente, através da intervenção de uma entidade gestora (excetuando os casos de Sociedades de Investimento Coletivo autogeridas) dotada de uma estrutura sólida de meios humanos, materiais e técnicos, cabendo-lhe a prática de todos os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento e, naturalmente, a rentabilização e otimização do retorno do investimento.
No que concerne às principais vantagens, tratando-se de um veículo regulado com reconhecimento internacional, destacaria, desde logo, a credibilidade do veículo, o qual transmite indubitavelmente maior confiança no comércio jurídico. Neste particular, note-se a importância da certificação do valor dos ativos, aferido por regras específicas no que toca a avaliação periódica (anual) obrigatória de todos os imóveis que compõem o portefólio do OII, com intervenção de dois peritos avaliadores independentes, registados na CMVM e, bem assim, às regras de valorimetria aplicáveis ao cálculo das unidades de participação, sendo o respetivo valor divulgado no site da CMVM. Por outro lado, importa trazer à colação o regime de segregação de patrimónios e incomunicabilidade de dívidas entre participantes/investidores e OII e, por seu turno, entre este e demais entidades envolvidas (Sociedade Gestora, Banco Depositário, etc). De salientar, ainda, a responsabilidade exclusiva da Sociedade Gestora pela gestão dos ativos, a maior facilidade de obtenção de crédito, ganhos de escala e maior poder negocial no mercado imobiliário. “Last, but not the least”, temos o estatuto fiscal autónomo, o qual apresenta vantagem competitiva sobre outros veículos que operam no mesmo sector, por via dos benefícios fiscais conferidos na esfera do OII, não ocorrendo tributação sobre os rendimentos de capital, mais valias e rendimentos prediais e, na esfera dos participantes/acionistas, quando sejam entidades não residentes fiscais, ficam apenas sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10% sobre os rendimentos distribuídos, resgate das unidades de participação/ações e mais-valias decorrentes de transmissão onerosa daquelas. Naturalmente que a vantagem fiscal é mais facilmente mensurável e, nessa perspetiva, confere uma vantagem objetiva, de fácil perceção.
P: Em que medida é que os contratos de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais estão salvaguardados?
João Ricardo Nóbrega: Como se referiu anteriormente, a Lei n.º 45/2020, de 20 de Agosto alterou substancialmente o regime excecional do arrendamento não habitacional, nomeadamente nos contratos de arrendamento ou outras formas contratuais de exploração de imóveis para comércio e serviços em centros comerciais. Às moratórias ao pagamento das rendas até 1 de Setembro de 2020, acrescentou-se a isenção de pagamento da componente fixa do valor da renda até 31 de dezembro de 2020, sendo apenas devido aos proprietários dos centros comerciais o pagamento da componente variável, calculada sobre as vendas realizadas pelo arrendatário.
P: Relativamente ao setor Hoteleiro, a procura de empreendimentos turísticos para estadias curtas e temporárias reduziu. Existem alternativas para a “sobrevivência” dos empreendimentos em fase de pandemia?
João Ricardo Nóbrega: Segundo o que se tem vindo a apurar, a procura pela segunda habitação em regime turístico ou turismo residencial, apesar de ter abrandado continua a existir e tem vindo, inclusivamente, a ser reforçada a oferta. Poderá ser uma alternativa para algumas unidades turísticas, nos quais seja possível implementar o regime da propriedade plural. Nesses casos, deverão, no entanto, os respetivos proprietários/entidade exploradora do empreendimento munir-se dos documentos contratuais mais relevantes (título constitutivo, um sólido regulamento de administração e um bom contrato de exploração turísticas com os potenciais interessados em assumir a qualidade de compradores). Esta poderá ser uma via de diversificação, sem recurso a “vendas agressivas”, mas com um sistema juridicamente reforçado.
P: Quais os efeitos da pandemia a nível das viagens, para segmentos do mercado como operadores turísticos, agências de viagens, etc.?
João Ricardo Nóbrega: Numa altura em que a “desconfiança” impera e a incerteza quanto à segurança e à saúde são fatores predominantes, é imperioso que estes agentes se adaptem à nova realidade e se reinventem. Ainda que a tendência natural seja para tentar minimizar custos, a médio prazo essa opção poderá acarretar repercussões bastante negativas. Deverão, do ponto de vista jurídico, assegurar o princípio da plena informação ao consumidor final, não se socorrerem de processos de venda “agressivos” e prestar informação adequada ao cliente no que toca aos seus direitos, nomeadamente, em caso de cancelamentos, reembolsos e alterações e afins. Relativamente aos nossos Clientes do setor Hoteleiro, pudemos constatar que a reabertura dos respetivos Hotéis ocorreu de forma paulatina, com especial preocupação para assegurar o cumprimento de todos as regras sanitárias, incluindo a elaboração e implementação de planos de contingência por forma a garantir confiança e a segurança, quer de trabalhadores, quer dos clientes.
Poderemos questionar até que ponto é que estes dois regimes serão compatíveis entre si, uma vez que não é claro se o regime de isenção terá aplicação retroativa para as rendas vencidas anteriormente à entrada da Lei n.º 27-A/2020, ou apenas abrangerá as rendas vencidas após 25 de Julho de 2020.
No entanto, estas medidas, sem atender aos critérios legais da distribuição do risco nos contratos, provocarão, certamente, grandes dificuldades na aplicação a situações concretas (existem inúmeros modelos contratuais), poderão aumentar a conflitualidade no sector do imobiliário e, consequentemente, a instabilidade no mercado do arrendamento urbano e cedência de utilização de lojas em centros comerciais.
P: Qual a principal área de atuação nos domínios do Direito Imobiliário?
João Ricardo Nóbrega: Relativamente ao âmbito de atuação, importa considerar que a assessoria é global e multidisciplinar, constituindo a base de intervenção que terá que assegurar o acompanhamento de todas as fases de um projeto imobiliário, desde a definição de modelo estratégico, seleção e constituição do veículo de investimento mais apropriado, auditoria legal aos ativos target, negociação e execução dos respetivos contratos imobiliários, aconselhamento do Project Finance e assessoria permanente posterior à aquisição. Daí que, em 2007, tenhamos já promovido a publicação de um Guia do Direito Imobiliário e que constava com uma estrutura abrangente (Volume I – Aquisição do Direito de Propriedade; Volume II – Contratos Relativos aos Direitos de Uso e Gozo; Volume III – Formas de Financiamento e Garantias; Volume IV – Urbanização, Propriedade Horizontal e Condomínios; Volume V – Veículos de Investimento Imobiliário; Volume VI – Procedimentos Judiciais Especiais)
P: Quais os desafios e soluções encontrados para enfrentar a crise pandémica que atualmente se vive no que respeita à intervenção como Advogados?
João Ricardo Nóbrega: A atual crise sanitária alterou naturalmente o paradigma das organizações e as sociedades de advogados não fugiram à regra. O maior desafio consistiu, num primeiro momento, aquando da declaração do estado de emergência, readaptar e implementar procedimentos internos por forma a garantir, desde logo, a segurança de todos os colaboradores e clientes e, concomitantemente, assegurar que não haviam quaisquer interrupções na atividade. Assim, continuamos a assegurar o acompanhamento presencial em todos os atos notariais que, entretanto, foram agendados, designadamente outorga de escrituras públicas de compra e venda de imóveis. De realçar, ainda, que o escritório manteve sempre a porta aberta, naturalmente cumprindo com os planos e medidas de segurança que foram adotadas de acordo com as orientações da DGS.
Por fim, procurámos compreender os desafios que a atual crise acarretou para os nossos clientes, sentindo que seria imprescindível promover o acesso célere à informação sobre a produção legislativa e medidas extraordinárias com impacto direto e indireto no setor imobiliário. Por outro lado, reforçámos a aposta na advocacia preventiva, por forma a melhorar a capacidade de resposta, antecipando alternativas e mitigando riscos. Neste particular, atenta a indefinição do cenário macroeconómico, os processos de Due Diligence assumem especial relevância por forma a robustecer as tomadas de decisão.
Entrevista Vida Judiciária – Actuação no âmbito do Direito Imobiliário, respostas de João Ricardo Nóbrega, Sócio da RSA e Coordenador da Área de Atividade de Imobiliário e Veículos de Investimento e da Área de Atividade de Gestão de Património e Arrendamento.
Leia a entrevista à equipa de Direito Imobiliário e Veículos de Investimento na integra e os restantes artigos da RSA descarregando a revista Vida Judiciária nº 216 (Setembro/Outubro 2020).
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