
Entrevista Vida Judiciária – O impacto da COVID-19 no imobiliário
Entrevista Vida Judiciária – O impacto da COVID-19 no imobiliário
P: O sector do arrendamento habitacional e não habitacional sofreu um grande impacto com a COVID 19. Quais foram as principais medidas adotadas?
Ana Carla Carvalho: Numa altura em que a incerteza financeira e económica do país é elevada, foram adotadas várias medidas destinadas a proteger os arrendatários em maior dificuldade, quer através da concessão de apoios financeiros pelo IHRU, IP, quer pela possibilidade de recurso ao instituto comummente apelidado de “moratória”.
Assim, numa primeira fase e em pleno estado de emergência foi aprovada a Lei 4-C/2020, de 6 de abril que permitia aos arrendatários habitacionais que tivessem sofrido uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar, face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior, e cuja taxa de esforço (definida em portaria) fosse superior a 35%, usufruir do regime de moratória no pagamento das rendas, podendo as mesmas ser pagas no prazo de 12 meses em prestações não inferiores a um duodécimo do montante total, concomitantemente com a renda de cada mês. Previu-se ainda a possibilidade de acesso à linha de crédito aberta pelo IHRU pelos senhorios que tivessem uma quebra superior a 20% dos rendimentos do agregado familiar face aos rendimentos do mês anterior ao do início da Pandemia ou do período homólogo do ano anterior, em consequência do não pagamento de rendas.
Relativamente ao arrendamento não habitacional ficaram abrangidos pela moratória os estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou com as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, ou por determinação legislativa ou administrativa e os estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham atividade para efeitos exclusivos de confeção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio.
Numa segunda fase, prorrogou-se o prazo da moratória no pagamento das rendas até ao dia 1 de Setembro de 2020, retirando-se a possibilidade ao Senhorio de, durante esse período, fazer cessar os contratos de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas pelo arrendatário, não podendo também ser aplicada a penalidade de 20% pela mora verificada.
Por fim, e mais recentemente, a Lei n.º 45/2020, de 20 de Agosto, promoveu um regime de isenção de pagamento do valor fixo da renda por parte dos arrendatários de estabelecimentos integrados em centros comerciais. Por outro lado, estabeleceu-se uma regra de prevalência das condições mais favoráveis ao arrendatário, decorrentes da lei ou de acordo celebrado, ou a celebrar, nomeadamente acordos de perdão de dívida ou acordos de diferimento no pagamento de rendas mais benéficos para o arrendatário.
P: Qual o impacto nas relações entre promotores e clientes relativamente aos processos de contratação em curso, nomeadamente ao nível dos contratos promessa de compra e venda assinados pré-covid?
Ana Carla Carvalho: No âmbito do atual contexto foi possível colher a experiência de ambos os lados e, sem prejuízo da individualidade do caso concreto, pudemos testemunhar que houve da parte dos compradores e vendedores alguma flexibilidade e, sobretudo, sensatez, tendo em vista o reconhecimento, que em determinadas situações, a atual conjuntura justificou modificações pontuais por forma a restabelecer o equilíbrio contratual das prestações.
No entanto, na esmagadora maioria dos contratos promessa de transmissão de imóveis, os contratos mantiveram-se inalterados, tendo sido mais visível a necessidade de negociar alterações nos contratos de arrendamento urbano ou no âmbito de outras formas contratuais de exploração de imóveis.
Sobre os efeitos da situação epidemiológica da COVID-19 na execução dos contratos, promovemos interna e externamente o debate sobre a necessidade de atualizar a interpretação e aplicação de determinados institutos, maxime em matéria de alteração das circunstâncias, causas e eventos de força maior, impossibilidade de cumprimento, reequilibro contratual, entre outros.
P: Ainda no atual contexto e sobre o tema da formalização dos contratos que envolvem as transações imobiliárias, consideram que o documento particular autenticado por Advogado é uma opção que faz agora mais sentido, enquanto alternativa ao modelo clássico dos Cartórios Notariais?
Ana Carla Carvalho: Importa, desde logo, salientar que a lei reconhece às autenticações, certificações e reconhecimentos efetuados pelos Advogados a mesma força probatória que tais atos teriam se tivessem sido realizados com intervenção do Notário. Nesse sentido, julgo que poderemos considerar que o atual cenário poderá propiciar um aumento das solicitações da intervenção do advogado para a formalização de tais atos, por documento particular autenticado, em alternativa às escrituras públicas. Com efeito, quer pelo inerente aconselhamento técnico e independência sobre os respetivos negócios, quer pela simplificação, centralização e celeridade na concretização, estamos perante uma alternativa idónea e eficaz a considerar como resposta às necessidades de formalização e efeito jurídico dos contratos que envolvem as transações imobiliárias.
Entrevista Vida Judiciária – Actuação no âmbito do Direito Imobiliário, respostas de Ana Carla Carvalho, Sócia da RSA e Coordenadora do Núcleo de Contratação e Registos.
Leia a entrevista à equipa de Direito Imobiliário e Veículos de Investimento na integra e os restantes artigos da RSA descarregando a revista Vida Judiciária nº 216 (Setembro/Outubro 2020).
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