
Controlo funcional do Trabalhador em Teletrabalho
Controlo funcional do Trabalhador em Teletrabalho
A pandemia mundial COVID-19 veio alterar a formar como percecionamos o mundo e em particular o Direito. Os efeitos catastróficos criados pela pandemia foram ainda um alerta para o Direito Laboral Português. Fortemente marcados por uma vertente tradicionalista, os institutos jurídicos laborais, havendo quem defenda que não oferecem a flexibilidade exigida pelas alterações às relações laborais causadas pelas circunstâncias que atualmente vivemos.
A figura do Teletrabalho, prevista nos arts. 165.º e ss. do Código do Trabalho, introduzida pelo Código do Trabalho de 2003, era caraterizada pelo seu carácter residual. Contudo, durante a vigência do estado de emergência, o Teletrabalho chegou a ser obrigatório, sempre que as funções o permitissem.
Esta grande mudança do paradigma que atravessamos, deixou clara a necessidade de se olhar para este instituto de outra forma a vários níveis, nomeadamente, desde as dificuldades em estabelecer uma linha ténue entre horário de trabalho e horário de descanso, e ainda a nível da privacidade dos trabalhadores na execução das suas tarefas.
Tendo o suprarreferido em consideração, este artigo pretende abordar uma das questões emergentes da aplicação do Teletrabalho no contexto pandémico atual, a saber, o controlo funcional do trabalhador em Teletrabalho.
Sendo a relação laboral clássica caraterizada pela subordinação jurídica do trabalhador e pelo exercício do poder de direção do empregador, no contexto do teletrabalho, o poder de direção por parte do empregador, considera alguma da nossa doutrina, poderia sofrer algumas limitações, inerentes ao carácter da forma como o trabalho é prestado.
Neste sentido, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) publicou orientações sobre o controlo à distância em regime de teletrabalho. Não obstante, estas orientações oferecem apenas um guia – meramente teórico – de interpretação das normas dos meios de vigilância à distância em conjunção com as normas relativas à proteção de dados.
As orientações da CNPD reforçam a proibição geral de utilização de meios de vigilância à distância com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Com base nesta norma, muitos dos softwares utilizados por entidades empregadoras, que registem as páginas de Internet visitadas, capturem imagem do ambiente de trabalho, observam e registam o acesso a aplicações e ainda registam o tempo gasto em cada tarefa, estão abrangidos por esta proibição geral.
Resulta do exposto que, no âmbito do teletrabalho, e dado a forma como o mesmo é desempenhado, poderão existir tensões entre o poder de direção do empregador e o direito à privacidade do trabalhador, sendo que, de acordo com as orientações da CNPD, o direito de privacidade do trabalhador é quase tido como absoluto. Tendo em conta a crescente importância e consciencialização do direito à privacidade, resultado do crescimento tecnológico, é natural que o poder de direção do empregador seja altamente restringido. Consequentemente, torna-se exigível uma modernização quanto à perceção do exercício do poder de direção e do conceito de subordinação jurídica.
Como elemento necessário da relação laboral, a subordinação jurídica do trabalhador e o correspondente poder de direção do empregador, terá de continuar a existir para que seja possível considerar-se um contrato de trabalho subordinado. Contudo, não deverá o exercício do poder de direção ser feito noutros moldes de modo a manter-se a existência de um contrato de trabalho, tal como descrito nos manuais de Direito do Trabalho?
A questão em causa deverá ser respondida afirmativamente sempre que em regime normal – fora do teletrabalho – o vínculo entre as partes se rege pela existência de um contrato de trabalho. No entanto, tendo em consideração a nova realidade, os elementos caraterizadores destes conceitos, existente, na nossa Doutrina quem entenda que deverão ser adaptados. Em consequência, o futuro da relação laboral em Portugal poderia passar por uma flexibilização destes conceitos sob pena de muitas situações não se considerarem abrangidas pelas normas de Direito do Trabalho.
Neste sentido, o que é tido como “direções/orientações específicas” não deverá constituir critério absoluto para se considerar a existência de subordinação jurídica. Pelo que, tendo em consideração o actual “ normal”, julga-se que deverá ser pensada uma reforma no sentido de trabalhar com vista à realização de tarefas e objetivos específicos, como um dos critérios a existir em novas relações laborais.
Para isso, poderá entender-se que, mais do que o empregador verificar o cumprimento do horário de trabalho, poderá equacionar-se também pelo cumprimento dos objetivos marcados pela entidade patronal para um dia do trabalho. Isto implicaria necessariamente a criação de uma relação de confiança entre o empregador e o trabalhador, para permitir uma maior autonomia do trabalhador na prestação do trabalho.
Desta forma, o controlo funcional por parte do empregador poderia passar sobretudo, por verificar se o trabalhador cumpriu os objetivos do dia, através do que o trabalhador reporte ao empregador, no final de cada dia, respeitando-se, os limites de horário de trabalho, nomeadamente, salvaguardando-se, quer o direito ao descanso do trabalhador, quer também, as demais regras existentes numa relação laboral (direitos e deveres de cada uma das partes da relação laboral e que não colidam com a figura do Teletrabalho), confluindo-se, assim, com as regras gerais previstas no Código do Trabalho.
Assim, crê-se, permitiria essencialmente uma maior salvaguarda do direito à privacidade dos trabalhadores e permitiria assegurar um direito ao descanso efetivo. Por um lado, uma maior autonomia do trabalhador e a confiança depositada pelo empregador neste, poderia potenciar a criação de uma cultura laboral positiva, o que em última instância iria aumentar os níveis de produtividade do trabalhador e da própria empresa.
Ora, considera-se que o tal aumento de produtividade só poderá ser alcançado quando existir uma revisão e regulamentação do instituto do Teletrabalho, nomeadamente na definição clara do modus operandi deste instituto quer pelo lado do trabalhador, quer pelo lado da entidade patronal, sendo que, uma reforma mais tradicionalista deste instituto, mantendo-se certos modelos empresariais, poderá lançar a dúvida se não funcionará como travão ao avanço natural desta nova realidade que hoje vivemos.
Daqui se conclui pela necessidade de uma alteração do Código do Trabalho que permita uma flexibilização de certos conceitos inerentes à relação laboral em concreto à figura do Teletrabalho para que o Direito Laboral Português acompanhe o status quo.
“Controlo funcional do Trabalhador em Teletrabalho”, por Inês Oliveira, Advogada Estagiária RSA.
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