
SIFIDE II – A “sobreviver” de orçamento em orçamento
SIFIDE II – A “sobreviver” de orçamento em orçamento
O SIFIDE II foi aprovado na Lei do OE para 2011 pela Lei nº 55/2010 de 31/12, tendo por objectivo “a promoção da competitividade da economia portuguesa e a manutenção de um contexto fiscal favorável ao investimento, a criação de emprego e o reforço dos capitais próprios das empresas”, para vigorar nos períodos de tributação de 2011 a 2015.
Sumariamente, o SIFIDE II trata-se de um crédito fiscal em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), para “sujeitos passivos de IRC residentes em território nacional que exerçam a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território”, compreendido entre 32,5% e 82,5% do investimento realizado em Investigação & Desenvolvimento (I&D), na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido.
Para que os referidos sujeitos passivos de IRC possam beneficiar dessa dedução à coleta, o seu lucro tributável não pode ser determinado por métodos indirectos e não podem ser devedores ao Estado (SS & AT).
Para efeitos do SIFIDE II consideram-se “Despesas de investigação” as realizadas pelo sujeito passivo de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos e “Despesas de desenvolvimento”, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico.
Após a aprovação em 2011, foram ao longo dos anos e respectivos Orçamentos de Estado introduzidas inúmeras alterações ao regime, nomeadamente, tendo em vista a extensão do seu período de tributação. A Lei 2/2020 de 31/03 que aprovou o OE para 2020, estabeleceu que o SIFIDE II passaria a vigorar até ao período de tributação de 2025, ao invés de apenas até 2020.
Para a exposição que aqui nos propomos fazer, iremos focar-nos essencialmente na alínea f) do Artigo 37º do Código Fiscal do Investimento, que regula o benefício, em sede de IRC, decorrente da subscrição de unidades de participação de fundos de investimento que financiem sociedades dedicadas sobretudo a I&D.
O regime até então em vigor considera dedutíveis as despesas efectuadas na “Participação no capital de instituições de investigação e desenvolvimento, no capital de fundos de investimento, públicos ou privados, que tenham como objeto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo a investigação e desenvolvimento e que desenvolvam projetos reconhecidos nos termos do artigo 37.º-A.”
Essencialmente, para efeitos do SIFIDE II, os sujeitos passivos de IRC podem deduzir à colecta os custos que tivessem com a subscrição de unidades de participação de fundos de investimento cuja política de investimento fosse o financiamento de sociedades que (i) se dedicassem sobretudo a Investigação e Desenvolvimento; (ii) fossem sociedades cuja idoneidade em matéria de Investigação e Desenvolvimento estivesse devidamente reconhecida pela Agencia Nacional de Inovação (ANI), bem como o reconhecimento do caráter de investigação e desenvolvimento dos projetos.
Até então, o benefício fiscal decorrente do SIFIDE II concedido aos participantes de OIC’s com a política de investimento supra referida afigurou-se como uma oportunidade transversal a diversos sectores. Permitindo, por um lado, às sociedades gestoras a criação de novos veículos de investimento e respectiva disponibilização ao mercado, aliando a rentabilidade do próprio investimento ao acesso a um benefício fiscal atrativo, e, por outro, estimulando a dinamização das empresas inovadoras, promovendo a competitividade da economia portuguesa.
No entanto, a agora apresentada proposta de Lei para o OE para 2021 veio propor a introdução de novas alterações a este regime, nomeadamente nos Artigos 37º, 38º e 40º do Código Fiscal do Investimento.
A primeira alteração relevante proposta pelo governo versa sobre a clarificação de que o financiamento de empresas de I&D por fundos de investimento, subscritas pelos sujeitos passivos de IRC, poderá ser feito através da realização de investimentos de capital próprio e de quase-capital, tal como definidos na Comunicação da Comissão 2014/C10/04, de 21 de janeiro.
Adicionalmente, propõe-se também a concretização do que se considera uma empresa dedicada sobretudo a investigação e desenvolvimento, isto é, “…aquela que cumpra os requisitos para o reconhecimento como empresa do setor da tecnologia, previstos no nº 1 do artigo 3º da Portaria nº 195/2018, de 5/07…”.
Assim, são elegíveis para reconhecimento como empresa do setor da tecnologia:
- a) As empresas que apresentem um investimento em I&D equivalente a pelo menos 7,5% da sua faturação no ano anterior ao pedido de reconhecimento, mediante: (i) A disponibilização pela empresa dos dados relevantes fornecidos ao Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN); ou (ii) No caso das empresas ainda não abrangidas pelo IPCTN, pela apresentação de elementos contabilísticos comprovativos do volume de faturação e do investimento em I&D.
- b) As empresas com até 3 anos, desde que incubadas em incubadora certificada ou reconhecida pelo IAPMEI para efeitos de integração em programas de incubação, mediante a apresentação de proposta fundamentada da incubadora.
No entanto, é agora proposta a introdução de normas de controlo e fiscalização por forma a garantir que (i) os sujeitos passivos de IRC mantêm a titularidade das UP’s por prazo não inferior a 5 anos, sob pena de verem adicionado ao IRC do período da alienação o montante que tenha sido deduzido à coleta, na proporção correspondente ao período em falta, acrescido dos correspondentes juros compensatórios e que (ii) tanto os fundos de investimento como as sociedades dedicadas a I&D, realizem integralmente o investimento (os fundos nas sociedades e as sociedades em actividades de I&D) no prazo máximo de 5 anos contados da data de aquisição das UP’s ou dos investimentos, sob pena de ser adicionado ao IRC do período de tributação em que se verifique o incumprimento daquele prazo o montante proporcional à parte não concretizada dos investimentos que tenha sido deduzido à coleta, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.
E para a efectivação do controle supra identificado, pretende-se passar a exigir aos fundos e às empresas de I&D a entrega de declarações comprovativas do investimento realizado que mais tarde irão integrar o processo de documentação fiscal, a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC. Ademais, devem os participantes do fundo ou o fundo ser informados do eventual incumprimento dos prazos referidos.
Adicionalmente, caberá ainda à ANI verificar a realização ou não dos investimentos, através da análise do último relatório anual auditado, bem como documento que comprove os investimentos efetivamente realizados pelo fundo, no período anterior, nas entidades previstas naquela disposição.
Se por um lado a criação destas normas pretende evitar um possível abuso por parte dos beneficiários deste incentivo, por outro faz depender a atribuição do benefício fiscal do cumprimento da actividade de I&D (ou não) por terceiros, deixando de estar na esfera de controlo do sujeito passivo de IRC o cumprimento dos requisitos.
De referir ainda que, no caso dos fundos de investimento, a obrigação de realização integral de um determinado investimento pretendida na proposta ora em análise poderá ser de difícil conciliação com o Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo e demais legislação aplicável aos fundos, cujos investimentos/ativos que integram ou venham a integrar o património do organismo de investimento coletivo estão sujeitos ao cumprimento de rigorosos critérios e metodologias de análise/avaliação prévia em consonância com os objetivos de investimento, políticas e limites da carteira do organismo de investimento coletivo. Não nos podemos esquecer que é dever e responsabilidade da Sociedade Gestora agir de modo criterioso e com elevada diligência profissional, no exclusivo interesse dos participantes do fundo, em cumprimento do seu regulamento de gestão e da política de investimentos nele prevista.
Salvo melhor opinião, e sem prejuízo da bondade de se manter o regime em apreço, resulta inequívoco que o acesso e concretização do investimento está mais limitado, sendo ainda de realçar que o Governo poderia ter aproveitado para fazer o esclarecimento de que a alínea f) do Artigo 37º ao referir “fundos de investimento” na verdade quer-se referir a Organismos de Investimento Colectivo nos termos da subalínea aa) do nº 1 do Artigo 2º do RGOIC, por forma a acompanhar a evolução legislativa no ordenamento jurídico português e europeu. Com efeito, em sede de benefícios, é sempre aconselhável que tudo esteja claro e inequívoco, por forma a evitar interpretações equívocas ou restritivas das normas.
Em conclusão, se é positivo que este benefício tenha conseguido resistir de OE em OE, o mesmo não podemos dizer em relação à forma como tem sido feita. Concretamente em relação à sua obtenção através da subscrição de UP’s de fundos de investimento, passámos de um instrumento com o potencial de captar investimento massivo para reforçar os capitais de empresas inovadoras, capazes de promover a competitividade da economia portuguesa, para um instrumento mais burocrático e sujeito a muitas aprovações, validações e acreditações externas, o que acaba por ser, a final, desincentivador e contrário ao espírito de dinamização e atração que o próprio legislador anuncia.
“SIFIDE II – A “sobreviver” de orçamento em orçamento”, por João Ribeiro Pereira, Advogado Associado RSA.
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