
A Problemática da Cassação das Licenças de Utilização Turística nos Empreendimentos em Propriedade Plural
A Problemática da Cassação das Licenças de Utilização Turística nos Empreendimentos em Propriedade Plural
Fundamental para abordarmos o regime subjacente ao nosso tema é sabermos quando é que uma Licença de Utilização para Fins Turísticos (LUFT) pode ser ou é cassada e quais os seus efeitos.
Assim, de acordo com o n.º 2 do Artº 33º do Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET – Decreto-lei nº 39/2008, na sua versão actualizada), a LUFT é cassada quando caducar a autorização para fins turísticos do empreendimento, sendo tal cassação efectuada pela competente Câmara Municipal, por iniciativa própria ou a pedido do Turismo de Portugal, I.P., conforme o tipo de empreendimento turístico em presença.
Por sua vez, o n.º 1 do referido artigo, elenca as situações em que a autorização de utilização turística caduca, a saber: (i) Se o empreendimento não iniciar o seu funcionamento no prazo de um ano a contar da data da emissão do alvará de autorização de utilização para fins turísticos ou do termo do prazo para a sua emissão; (ii) Quando seja dada ao empreendimento uma utilização diferente da prevista no respectivo alvará; (iii) Quando, por qualquer motivo, o empreendimento não puder ser classificado ou manter a classificação de empreendimento turístico.
Finalmente, o nº 3 daquele dispositivo legal estabelece que: “A caducidade da autorização determina o encerramento do empreendimento, após notificação da respectiva entidade exploradora”.
O Decreto-Lei n.º 99/2020, de 22 de novembro, aditou um novo artigo ao Decreto-Lei n.º 17/2020, de 23 de abril, que estabeleceu medidas excecionais e temporárias relativas ao setor do turismo no âmbito da pandemia da doença COVID-19, prevendo que os empreendimentos turísticos podem, excecional e temporariamente, disponibilizar a totalidade ou parte das unidades de alojamento que os compõem para outros usos compatíveis.
Entre os usos compatíveis contam-se, designadamente, as utilizações para: alojamento prolongado, com ou sem prestação de serviços; escritório e espaços de cowork; reuniões, exposições e outros eventos culturais; showrooms; ensino e formação; e salas de convívio de centros de dia ou outros grupos ou organizações.
De acordo com o diploma, a afetação para outros usos de parte ou da totalidade das unidades de alojamento pelas entidades exploradoras não implica a perda da qualificação como empreendimento turístico, cabendo às entidades exploradoras dos empreendimentos definir o número de unidades de alojamento a disponibilizar para outros usos.
Essa disponibilização depende do preenchimento de certas condições, concretamente, a garantia da articulação dos novos usos com a atividade turística, sempre que a mesma se mantenha, e a comunicação ao Instituto do Turismo de Portugal, I. P., através do Registo Nacional dos Empreendimentos Turísticos, da identificação das unidades de alojamento e do número de camas correspondentes a afetar a usos distintos da exploração turística.
Por outro lado, a disponibilização de unidades de alojamento para outros usos implica o cumprimento das regras sanitárias fixadas pela Direção-Geral da Saúde, bem como das demais normas aplicáveis à atividade a desenvolver, e não prejudica o disposto nos instrumentos de gestão territorial aplicáveis.
As novas regras entraram em vigor no dia 23 de novembro e serão aplicáveis até 31 de dezembro de 2022.
Na decorrência da cassação de licenças, temos vindo a assistir por parte das Câmaras Municipais, em especial nos empreendimentos turísticos em propriedade plural, a uma posição mais complacente na aplicação da lei, uma vez que se tratam de empreendimentos cujas fracções imobiliárias são detidas e, a maior parte das vezes, utilizadas como autênticas residências permanentes por particulares para quem o encerramento levantaria, concomitantemente e entre outros, problemas de habitação do agregado familiar.
Assim, as câmaras municipais têm optado por recorrer à prerrogativa prevista no nº 4 do referido Artº 33º, no qual se estabelece a possibilidade destas poderem adoptar medidas de tutela da legalidade urbanística que se mostrem fundadamente adequadas, nos termos do disposto no regime jurídico da urbanização e da edificação, evitando assim o encerramento do empreendimento turístico e as consequências nefastas para os proprietários das respectivas fracções imobiliárias.
Deixando para uma próxima oportunidade a análise da actuação das câmaras perante os vários instrumentos de gestão territorial que devem ser respeitados nestas situações, passemos a analisar os procedimentos a adoptar para os empreendimentos turísticos em propriedade plural, em especial no que diz respeito à propriedade horizontal.
Em geral, a instalação de empreendimentos turísticos obedece, em primeira mão, aos procedimentos e requisitos definidos no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo Decreto-lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações subsequentes e, em especial , aos definidos em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do turismo e do ordenamento do território (conforme resulta do nº 2 do Artº 4º, do nº 1 do Artº 5º e do nº 1 do Artº 23º do RJIEFET).
No que diz respeito ao licenciamento de empreendimentos turísticos em propriedade plural, assume especial importância, a possibilidade de submeter o mesmo ao regime da propriedade horizontal previsto no Código Civil, conforme prescreve o artº 52º do RJIEFET. A submissão destes empreendimentos ao regime da propriedade horizontal tanto pode ser concretizada através do próprio título constitutivo como através de escritura pública.
Ao longo da nossa prática profissional temos sido confrontados com títulos constitutivos da propriedade horizontal em que instalações ou equipamentos que deveriam ser «áreas de utilização comum» (p.e. piscinas, recepções, bares, campos desportivos e de lazer, restaurantes, etc.), são constituídos como «fracções autónomas» cuja titularidade é atribuída ao promotor do empreendimento.
À primeira vista, tal atribuição parece não constituir violação do regime da propriedade horizontal, contudo, tal facto constitui, ou pode constituir, um obstáculo bastante significativo para uma solução no quadro da transformação do empreendimento turístico em empreendimentos residencial/habitacional no âmbito da prerrogativa atribuída às câmaras para tal, conforme vimos supra.
Nesta situação somos confrontados com a necessidade de alterar o título constitutivo da propriedade horizontal por forma a que tais áreas deixem de ser propriedade de um titular e passem a ser «zonas comuns», como tal da responsabilidade e titularidade de todos os condóminos.
Sendo essas áreas propriedade de «alguém», a sua transformação em zona comum do condomínio implica, necessariamente, uma negociação com o titular e o pagamento do justo valor dessa área.
Conjugar todos os interesses em presença por forma a ser alcançado um acordo justo e equilibrado para as partes envolvidas é um desafio, cuja ultrapassagem é imprescindível, para uma solução que obste à perda do investimento efectuado.
A Problemática da Cassação das Licenças de Utilização Turística nos Empreendimentos em Propriedade Plural, por Manuel Ilhéu Sócio Fundador da RSA.
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