
Um “novo” processo de viabilização de empresas?
Um “novo” processo de viabilização de empresas?
Foi publicado no passado dia 27 de novembro a Lei nº 75/2020, a qual prevê, entre outras medidas, a criação do Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (o PEVE).
Muito se tem falado deste “novo” processo apelidado de extraordinário, cuja proposta de lei vinha a ser discutida desde julho e cuja tão esperada publicação apenas veio a ocorrer em finais de novembro.
Ansiava-se por um processo célere e eficaz que permitisse às empresas em dificuldades económicas, ou mesmo em situação de insolvência já atual devido à crise económica provocada pela pandemia Covid-19, a sua adaptação e possibilidade de reestruturação com vista à sua viabilização e manutenção em atividade, preservando o tecido empresarial e evitando insolvências em massa.
O PEVE, tal como veio a ser aprovado, trata-se de um processo de natureza urgente e temporária. O regime previsto para este processo permite uma tramitação célere com prioridade face à tramitação dos processos de insolvência, processos especiais de revitalização (PER) e processos especiais para acordo de pagamento pendentes e prevê a sua vigência apenas até 31 de Dezembro de 2021, contemplar no entanto, a possibilidade de extensão por decreto do Governo.
Importa, contudo, analisar se se trata, efetivamente, de um processo “novo” e se se mostrava necessária a sua criação face aos mecanismos de recuperação de empresas já vigentes no nosso ordenamento jurídico, bem como se o mesmo permite alcançar o objetivo principal para que foi criado.
Analisada a tramitação prevista para o PEVE, conclui-se que o mesmo não é mais do que uma adaptação de um dos mecanismos de recuperação de empresas já vigente, o PER, apresentando ainda algumas características e previsões constantes noutro mecanismo, o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE).
Veja-se, que a possibilidade de submeter a homologação judicial um acordo de recuperação já alcançado entre a empresa e credores cujos créditos representassem as maiorias necessárias para a sua aprovação já existe no nosso ordenamento jurídico através do procedimento previsto no art.º 17-I do CIRE, o PER abreviado.
Pelo que, bastaria que o legislador procedesse à sua adaptação para alcançar os objetivos agora visados com o PEVE, alargando o seu âmbito de aplicação a empresas em situação de insolvência atual em virtude da crise pandémica.
O PEVE destina-se a empresas viáveis que se encontrem em dificuldades económicas ou em situação de insolvência iminente ou atual, devido as consequências da pandemia Covid 19 e que demonstrem que detinham um ativo superior ao passivo em 31 de Dezembro de 2019, ou excecionalmente destinar-se a micro e pequenas empresas que, ainda que àquela data não possuíssem um ativo superior ao passivo, desde que (i) não tenham pendentes Processo de Insolvência, PER ou PEAP; (ii) tenham recebido um auxílio estatal, no contexto da pandemia e o mesmo não tenha sido reembolsado; ou (iii) estejam abrangidas por um plano de reestruturação ao abrigo das regras em matéria de auxílios estatais.
De salientar, contudo, o fato de não prever a impossibilidade de apresentação a PEVE a empresas que se tenham submetido, há menos de dois anos a PER.
Com efeito, esta é uma previsão que assume especial relevância, dado que uma empresa se tenha apresentado a PER em momento anterior ao período pandémico, viu substancialmente alteradas as condições e os pressupostos que estiveram subjacentes ao plano de reestruturação apresentado aos seus credores e que, com grande margem de certeza, inviabilizarão o seu cumprimento.
Prevê-se, ainda, expressamente, que a não homologação do Acordo de Viabilização alcançado com os credores não tem as mesmas consequências previstas para o PER, ou seja, a apresentação da empresa a processo de insolvência. Abre-se, assim, a possibilidade da empresa recorrer a outros mecanismos de recuperação, designadamente, o PER ou o RERE, sem qualquer limitação temporal para o efeito.
Um outro aspeto relevante neste regime é o alargamento da atribuição de privilégio creditório mobiliário geral a sócios ou pessoas especialmente relacionadas com a empresa que no âmbito do PEVE financiem a atividade da empresa disponibilizando capital, privilégio esse graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores nos termos do n.º 2 do art.º 17-H do CIRE, alargando-se esta previsão ao PER.
Por fim, de aplaudir a possibilidade prevista de redução ou mesmo de isenção das taxas de juros de mora nos planos prestacionais a apresentar para pagamentos de créditos públicos.
A Lei 75/2020 de 27 de novembro, para além de prever a criação do PEVE, prevê ainda outras medidas que não são de somenos importância: (i) Estabelecimento de um regime excecional e temporário de prorrogação do prazo para conclusão das negociações encetadas com vista à aprovação de plano de recuperação ou de acordo de pagamento, bem como de concessão de prazo para adaptação da proposta de plano de insolvência, no âmbito da pandemia da doença COVID-19; (ii) A aplicação do Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (RERE), aprovado pela Lei n.º 8/2018, de 2 de março, a empresas que se encontrem em situação de insolvência atual em virtude da pandemia da doença COVID-19; (iii) A obrigatoriedade da realização de rateios parciais em todos os processos de insolvência pendentes em que haja produto de liquidação depositado num valor acima de 10 000 (euro); (iv) A atribuição de prioridade na tramitação de requerimentos de liberação de cauções ou garantias prestadas no âmbito de processo de insolvência, processo especial de revitalização ou processo especial para acordo de pagamento.
Um “novo” processo de viabilização de empresas?, por Sandra Alves Amorim Advogada Coordenadora.
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