
Tribunais de comércio podem ajudar a viabilizar empresas
“Só a criação de um verdadeiro sistema nacional de justiça (SNJ) poderá evitar que no pós-Covid a maioria das micro e pequenas empresas sejam declaradas insolventes”.
Vida Económica – Em que consiste o novo processo extraordinário de viabilização de empresas (PEVE)?
António Raposo Subtil – É um processo judicial temporário, que vigorará até dezembro de 2021, de natureza extraordinária e urgente, e que se destina exclusivamente a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual, em virtude da pandemia da Covid-19 e que, ainda assim, sejam suscetíveis de recuperação, sendo exigido que tenham registado em 31 de dezembro de 2019 um “ativo superior ao passivo”, visando a homologação de um acordo de reestruturação de dívida estabelecido extrajudicialmente entre a empresa e os seus credores.
VE – As diversas moratórias criadas pelo Governo suspenderam os prazos judiciais, nomeadamente o prazo de apresentação à insolvência?
ARS – De facto, no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica causada pelo vírus SARS-Cov-2 e da doença Covid-19, o n.º 6 do artigo 7º. da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, determinou a suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência, aplicável com efeitos retroativos desde 9 de março de 2020 (n.º 2 do artigo 6º da referida Lei) e até ao termo da atual situação excecional. Esta medida de suspensão irá acabar, assim, por beneficiar um conjunto alargado de empresas que, à data, ainda se encontram impossibilitadas de cumprir as suas obrigações vencidas.
VE – Este novo processo (PEVE), que foi qualificado pelo legislador como extraordinário, constitui uma solução eficiente para proteger as empresas atingidas pela Pandemia COVID-19?
ARS – Só a criação de um verdadeiro sistema nacional de justiça (SNJ), que tenha por base os tribunais de comércio, o que implica o reforço significativo do quadro de juízes, coadjuvados por peritos e auxiliares de justiça, poderá evitar que no pós-Covid a maioria das micro e pequenas empresas sejam declaradas insolventes, sem que tenham a oportunidade de serem testadas no âmbito de um processo de revitalização (PER) ou viabilização (PEVE).
“No final de uma pandemia a generalidade das empresas terá os seus recursos humanos enfraquecidos”.
VE – Pode explicar melhor essa realidade?
ARS – Para que uma empresa possa requerer a sua viabilização em tribunal, beneficiando de imediato de um efeito de “stand still” (suspensão de processos instaurados por credores) e apresentando um plano de recuperação, terá de reunir condições para recorrer e suportar os custos com os seguintes intervenientes (para além da sua estrutura de meios, que deverá ter capacidade para elaborar um plano de negócios demonstrativo da capacidade de viabilização da empresa, sob pena de ter de contratar um consultor financeiro): técnico certificado de contas; revisor oficial de contas; administrador judicial provisório; advogado.
Como resulta evidente, no final de uma pandemia (doença que também provoca graves consequências na saúde das empresas) a generalidade das empresas terá os seus recursos humanos enfraquecidos e uma reduzida capacidade para mobilizar equipas externas para organizarem um dossier para apresentar em tribunal.
VE – Assim sendo, que alternativas existem?
ARS – Devem ser os tribunais a reunir os meios de apoio para suprir ou complementar as dificuldades das empresas em apresentarem um processo de revitalização ou viabilização, sendo esse um dos apoios directos do Estado na recuperação da saúde das empresas, tal como acontece no SNS, com as devidas e óbvias diferenças.
Os denominados tribunais de comércio, munidos dos meios humanos adequados, podem constituir a base fundamental do sistema nacional de justiça empresarial, avaliando e/ou complementando os planos de viabilização propostos pelas empresas, sem que as mesmas, numa situação de grave incapacidade, possam beneficiar do suprimento de deficiências por parte das estruturas de apoio ao tribunal, sem custo ou custas, visando uma decisão judicial que, após um período de mediação e negociação com os credores, aprove um plano de recuperação vinculativo para todos (devedores e credores) e eventuais alterações societárias, nos termos previstos no diploma que cria o PEVE.
Desta forma, reduzindo custos iniciais e a burocracia, por via da aprovação de um acordo de viabilização no tribunal competente, a empresa poderá retomar a sua actividade com mais saúde, mantendo os postos de trabalho necessários ao cumprimento dos objectivos do plano de negócios.
“O processo de insolvência será aplicável às empresas que não passarem no teste Covid”.
VE – Em que situações será aplicado processo de insolvência?
ARS – O processo de insolvência será aplicável às empresas que não passarem no teste Covid, desde que fique evidenciado em tribunal que já não eram viáveis antes da Pandemia, como sempre aconteceu. São os credores que, nesta situação (inviabilidade anterior à Pandemia), devem determinar o destino destas empresas, sendo a intervenção do tribunal muito reduzida, por aplicação do regime consagrado no CIRE.
Nas restantes situações, em que a Pandemia Covid afectou a saúde financeira das empresas, o tribunal deverá ter uma maior disponibilidade para encontrar soluções de equilíbrio entre os direitos dos credores, incluindo do Estado e Segurança Social, e o interesse público na manutenção da actividade empresarial viável pós-pandemia, aprovando e impondo os pertinentes planos de recuperação /viabilização, que contemplem a previsão dos apoios directos do Estado à actividade da empresa, sempre que existentes.
Se o Estado aprovou moratórias, diferiu pagamentos, suspendeu processos, entre outras medidas ditas excepcionais, também poderá criar as condições para que os tribunais de comércio, coadjuvados por peritos/ técnicos especializados, possam ter uma intervenção mais determinante na aprovação de planos de viabilização, reconhecendo uma alteração das circunstâncias susceptíveis de impor uma modificação da relações jurídicas e como valor fundamental a necessidade de remover os efeitos negativos da Pandemia Covid.
VE – Tendo em consideração o que se disse, qual o rumo a seguir?
ARS – Não podemos continuar com este caminho de disseminação de responsabilidades de actuação por uma miríade de intervenientes (juízes, ROC, TOC, advogados) que, num quadro de pandemia e de crise de saúde pública, acaba por retirar eficácia ao prospectivo tratamento de recuperação das empresas em dificuldade. De facto, o caminho é inverso: e esse caminho passa pelo “enforcing” do papel dos tribunais neste quadro. Estes serão chamados a estabelecer medidas concretas, consubstanciados em planos de recuperação concretos, em que a viabilidade das empresas deve ser o cerne orientador das decisões tomadas, mesmo que em confronto com os interesses dos credores.
Entrevista de António Raposo Subtil ao Jornal Vida Económica de 15 de Janeiro de 2021.
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