
Andorra fora da lista de paraísos fiscais, mas ainda sujeita às normas anti-abuso
Andorra fora da lista de paraísos fiscais, mas ainda sujeita às normas anti-abuso
O nosso ordenamento jurídico, através da portaria 150/2004, de 13 de Fevereiro, atacou de forma direta o problema da luta contra a evasão fiscal e fraude internacionais e identificou uma lista com 83 países que, aos olhos do ordenamento jurídico Português, são considerados territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada e claramente mais favoráveis. Aos países da referida lista, comummente designada por “lista negra”, Portugal pode aplicar normas anti-abuso destinadas a evitar que esquemas de planeamento fiscal provoquem a erosão da sua base tributável ou a ocultação de rendimento e património.
A adoção destas medidas defensivas, tradicionalmente designadas de medidas de anti-abuso, traduzem-se essencialmente na aplicação de taxas mais gravosas relativamente aos impostos incidentes, sobre o rendimento e sobre o património (IMT / IMI), benefícios fiscais e imposto de selo, tendo em vista dissuadir o recurso a estas jurisdições.
Com Andorra fora da lista de países identificados por Portugal, como paraísos fiscais desde 1 de janeiro de 2021, poder-se-á agora equacionar aquela jurisdição, como uma opção válida para os investimentos dos residentes fiscais em Portugal, sem sujeição a um regime fiscal mais gravoso? A resposta positiva carece de alguma cautela, porquanto, importa ter em mente, que, mesmo quando um território sai da lista, a Autoridade Fiscal Portuguesa pode continuar a aplicar-lhe algumas cláusulas destinadas a evitar abusos se tendo um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC, a taxa aplicável seja inferior a 60% da taxa de imposto prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
Andorra tem um IRC de 10%, pelo que ficará enquadrada, nalguns dos nossos normativos tributários, como um dos países alvo das restrições referidas supra – cláusulas anti abuso – ainda que já não faça parte da “lista negra” e exista um acordo de dupla tributação Portugal-Andorra, em vigor.
A razão para a saída de lista de paraísos fiscais, vem na sequência de um pedido do Principado Andorrano, que tem como fundamento a existência desde 2011 de um acordo para a troca de dados fiscais entre Portugal e Andorra. O Principado faz parte do leque de jurisdições que aderiram à mega troca automática de informações sobre contas financeiras implementada pela OCDE e que celebrou um acordo com a União Europeia sobre a tributação de rendimentos. Estes mecanismos permitiram a Portugal obter informação de Andorra sobre alguns registos de contribuintes e dar a conhecer outros mais registos que poderão revelar-se importantes para as autoridades andorranas, segundo o relatório de combate à fraude e evasão publicado no Verão de 2020.
A União Europeia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) deixaram de olhar para Andorra como paraíso fiscal desde 2018. Por outro lado, a ONG Oxfam Intermón mantem um entendimento conservador de que Andorra deve continuar listada, atendendo a baixa carga fiscal imposta sobre os cidadãos e empresas, ainda que seja compliant com o conjunto de critérios que definem quem deve ser “black “ou “grey” listed na UE, concretamente, transparência fiscal, boa governação e atividade económica.
Em 5 de Dezembro de 2017, Andorra fazia parte da “grey list” da UE com mais 46 Estados. Para sair desta lista Andorra modificou o seu regime fiscal, em particular, procedeu a alterações relacionadas com o imposto incidente sobre as sociedades e eliminou dois dos regimes fiscais especiais existentes e alterou outros dois. Deste modo, a ECOFIN ou Conselho dos Assuntos Económicos e Financeiros entendeu que Andorra passava a ser uma jurisdição cooperante em matéria fiscal.
A decisão do Governo português surgiu, conforme já referido acima, depois de ter recebido um pedido formal do Principado de Andorra a solicitar a revisão do seu enquadramento na referida lista e de este ter sido objeto de parecer positivo por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira Portuguesa – entidade que, desde 2017, passou a ter de ser ouvida perante este tipo de alterações.
Com efeito, nos termos do disposto no artigo 63 D da Lei Geral Tributária (LGT):
- O membro do Governo responsável pela área das finanças aprova, por portaria, após parecer prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, a lista dos países, territórios ou regiões com regime claramente mais favorável.
- Na elaboração do parecer e da lista a que se refere o número anterior, devem ser considerados, nomeadamente, os seguintes critérios:
- a) Inexistência de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC ou, existindo, a taxa aplicável seja inferior a 60% da taxa de imposto prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC;
- b) As regras de determinação da matéria coletável sobre a qual incide o imposto sobre o rendimento divirjam significativamente dos padrões internacionalmente aceites ou praticados, nomeadamente pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE);
- c) Existência de regimes especiais ou de benefícios fiscais, designadamente isenções, deduções ou créditos fiscais, mais favoráveis do que os estabelecidos na legislação nacional, dos quais resulte uma redução substancial da tributação;
- d) A legislação ou a prática administrativa não permita o acesso e a troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente informações de natureza fiscal, contabilística, societária, bancária ou outras que identifiquem os respetivos sócios ou outras pessoas relevantes, os titulares de rendimentos, bens ou direitos e a realização de operações económicas.
Se é certo que de acordo com o parecer emitido pela Autoridade Fiscal e Aduaneira, em resposta ao pedido formal feito pelo governo do Principado de Andorra, foi considerado que esta jurisdição já não preenchia as alíneas b), c) e d) do normativo referido, a verificação do critério da alínea a), mantém-se. Isto é, continua a existir um imposto equivalente ao imposto sobre o rendimento das sociedades com uma taxa 60% inferior à praticada em Portugal. A taxa do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas em Andorra é de 10%, e o critério de 60% previsto na LGT aponta para uma taxa de 12,6%, como limite para estar fora das jurisdições consideradas como mais favoráveis fiscalmente.
O facto de Portugal e o Principado de Andorra terem celebrado um Acordo sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal (ATI), em vigência desde dezembro de 2016, e uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal, em vigência desde abril de 2017, permitiu o acesso e a garantia de troca efetiva de informações relevantes para efeitos fiscais, nomeadamente informações de natureza fiscal, contabilística, societária, bancária ou outra que identifiquem os respetivos sócios ou outras pessoas relevantes, os titulares de rendimentos, bens ou direitos e a realização de operações económicas, mas não isentou da aplicação total das normas anti-abuso nacionalmente estabelecidas, pelo que, a saída da “lista negra” poderá ser meramente formal, mas não ter os efeitos práticos desejados para o principado de Andorra, pelo menos em território Português.
Andorra fora da lista de paraísos fiscais, mas ainda sujeita às normas anti-abuso, por João Subtil – Advogado Associado Principal.
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