
Âmbito da hipoteca de lotes de terreno: edifícios implantados e não legalizados
Âmbito da hipoteca de lotes de terreno: edifícios implantados e não legalizados
Com o desenvolvimento do sector da construção civil, assistiu-se igualmente a um incremento de operações de financiamento celebradas entre as instituições bancárias e as entidades que pretendiam proceder ao desenvolvimento dos respectivos projectos imobiliários.
No âmbito dessas operações e para garantia do financiamento concedido, constitui uma prática corrente a constituição de hipotecas voluntárias sobre os lotes de terreno nos quais se pretende proceder á edificação das referidas construções.
A problemática surge quando, em caso de incumprimento das obrigações e das responsabilidades assumidas por parte do mutuário (construtor), aos credores hipotecários, no âmbito da defesa dos seus interesses, não lhes resta outra alternativa que não seja o recurso à via judicial, mais concretamente, através da propositura da respectiva acção executiva, conforme legalmente reconhecido pelo disposto no nº 2 do art. 2º. do CPC.
E, é no âmbito da respectiva acção executiva, que nos confrontamos com determinadas vicissitudes, as quais estão directamente relacionadas com os seguintes aspectos:
(i) Penhora dos lotes de terreno, não obstante, á referida data já se encontrarem aí construídos determinados edifícios, apesar de, ainda não se encontrarem licenciados, nem submetidos ao regime da propriedade horizontal;
(ii) Adjudicação ao credor hipotecário dos referidos lotes de terreno no âmbito da venda judicial;
(iii) Celebração de contratos promessa de compra e venda entre o construtor/executado e terceiros, no âmbito dos quais, foi acordada a tradição do imóvel;
(iv) E, ainda, quando já existe uma sentença judicial a favor desses terceiros (promitentes compradores), declarando, não só, a resolução dos contratos promessa, como também, o reconhecimento do direito de retenção para garantia do direito de crédito resultante do não cumprimento da promessa.
Relativamente, às primeiras questões, não podemos deixar de reconhecer que, existe uma desconformidade entre o bem penhorado e vendido no âmbito da acção executiva e a situação real do mesmo, isto porque, não tendo sido emitido o alvará de utilização, nem submetido o prédio ao regime da propriedade horizontal, não existe uma individualização jurídica das fracções. Contudo, a verdade é que, as referidas fracções existem, ou seja, surgiu uma nova realidade predial, que tem se ser tida em consideração, isto porque, o lote de terreno perdeu a sua autonomia, tal conforme se pode retirar da interpretação dada ao art. 204.º alínea e) do Código Civil, o qual refere expressamente que: “São coisas imóveis as partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos”.
Sendo assim, para além desta nova realidade predial, a hipoteca sempre conferia ao credor hipotecário o direito a ser pago pelo valor dos lotes de terreno hipotecados de acordo com o disposto no artigo 686º n º1 do Código Civil.
Mais, o credor hipotecário beneficia ainda do princípio da indivisibilidade da hipoteca consagrado no artigo 696º do Código Civil, o qual dispõe expressamente que: Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que a constituem, ainda que, a coisa ou o crédito seja, dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito”, bem como, do disposto nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo 691º do Código Civil.
Ou seja, caso as partes nada tenham convencionado em contrário, é manifestamente inequívoco que, a hipoteca dos terrenos passou a abranger os edifícios neles implantados, pelo que, a penhora deverá estender-se igualmente aos prédios edificados e, por conseguinte, a venda deverá incidir sobre esta nova realidade predial (cfr. artigo 824º do Código Civil).
Ora, em determinadas situações surgem questões particularmente melindrosas, que dizem respeito à celebração de contratos promessa de compra e venda por parte do construtor (executado) com terceiros, no âmbito dos quais veio a ocorrer a tradição do imóvel e com a existência de um direito de retenção judicialmente reconhecido para garantia do pagamento do seu crédito.
Perante tal cenário, dado que, no prédio penhorado inclui-se, não só, o solo (lotes de terreno), como também, as construções nele incorporadas, todos os credores com garantia real, nos quais se incluem os titulares do direito de retenção (direito este que não está sujeito a registo), encontram-se habilitados para reclamar o pagamento dos respectivos créditos, pelo produto da venda (art. 788º do CPC), tanto mais que, este direito, faculta ao seu titular o direito de ser pago com preferência sob os demais credores do devedor (nº 1 do art. 759º do Código Civil).
Sendo assim, o titular do direito de retenção deverá ter um especial dever de atenção e cuidado em proceder á reclamação do respectivo crédito no âmbito da acção executiva, pois caso não o faça, opera-se a caducidade do seu direito, isto porque, de acordo com a corrente jurisprudencial e doutrinal claramente maioritária, o direito de retenção, como direito de garantia que é, caduca automaticamente com a venda (primeira parte do nº 2 do art. 824º do Código Civil), na medida em que, essa função de garantia transfere-se do bem vendido, para o produto da venda e não mais sobre o bem vendido.
E, finalmente sempre se dirá que, também deverá existir quer por parte dos Agentes de Execução um especial dever de cuidado em proceder á citação dos credores com garantia real, quer por parte do executado/construtor um especial dever de colaboração na identificação de tais credores, isto porque, de acordo com o nº 6 do art. 786º do CPC, a falta das citações prescritas tem o mesmo efeito que a falta de citação do Réu, encontrando-se legalmente previstas as seguintes cominações: (i) caso o exequente haja sido o exclusivo beneficiário, o credor com garantia real pode requerer a anulação da venda, da adjudicação ou dos pagamentos já efectuados; (ii) nas demais situações, o credor com garantia real, tem direito de ser ressarcido, pelo exequente ou outro credor pago em vez dele, segundo as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo da responsabilidade civil, nos termos gerais, da pessoa a quem seja imputável a falta de citação.
Âmbito da hipoteca de lotes de terreno: edifícios implantados e não legalizados, por Carla Freire – Sócia RSA.
Formação – Investimento Imobiliário
Veículos Regulados de Investimento Imobiliário, Organismos de Investimento Imobiliário (FII E SICAFI) e Fundos de Capital de Risco – Formação Online – 5 horas – 31 de março
Formadores: António Raposo Subtil, João Ricardo Nóbrega, Tiago Rosa
Latest Posts
Ebook – Branqueamento Capitais, Lei 83/2017 na versão da Lei 58/2020
Lançamento do Novo Ebook RSA Branqueamento Capitais - Lei 83/2017 na versão da Lei 58/2020, comentário e anotações preparado pelo Departamento de Direito...
Africa Guide – Competition – Moçambique
Pedro Gonçalves Paes, Sócio RSA, participou na elaboração no guia Africa Guide - Competition com um capítulo inteiramente dedicado a Moçambique que aqui...
Africa Guide – Competition – Moçambique
Fiscalidade nas Reestruturações Societárias – o caso particular do IMT
Fiscalidade nas Reestruturações Societárias – o caso particular do IMT Trazemos hoje à discussão o tratamento fiscal das operações de reestruturação...