
Suspensão da Entrega de Imóveis em Processos Judiciais

Suspensão da Entrega de Imóveis em Processos Judiciais
Quer a Lei nº 75-A/2020, de 30 de Dezembro, quer a Lei nº 4-B/2021, de 01 de fevereiro, vieram proceder a significativas alterações à Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, pelo que, atendendo à sua relevância, consideramos pertinente proceder à contextualização das mesmas e, simultaneamente, desmistificar o entendimento de que, a entrega dos imóveis locados, quer nas ações de despejo, quer nos procedimentos especiais de despejo, quer nas execuções para entrega de imóveis encontra(va)-se praticamente suspensa.
Efetivamente, de acordo com a atual redação dada ao artigo 8º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, pela Lei nº 75-A/2020, de 30 de Dezembro, resulta expressamente que:
(i) Os senhorios detêm toda a legitimidade para proceder à comunicação dos efeitos das denúncias, da caducidade, revogação e oposição à renovação dos contratos de arrendamento habitacionais e não habitacionais, porém, os efeitos desses atos, bem como, o prazo previsto no artigo 1053º do Código Civil, ficam suspensos até ao dia 30 de Junho de 2021, exceto se o arrendatário não se opuser à cessação do contrato;
(ii) Em relação aos arrendamentos para fins habitacionais, o regime da suspensão está dependente da verificação de uma condição obrigatória – regular pagamento das rendas devidas nos meses de Outubro a Dezembro de 2020 e Janeiro a Junho de 2021 – pelo que, caso o arrendatário não tenha direito a qualquer apoio /comparticipação financeira e, por conseguinte, não consiga proceder ao pagamento das respetivas rendas, assiste ao senhorio a faculdade de avançar com o respetivo procedimento especial de despejo;
(iii) Por outro lado, no que respeita aos arrendamentos para Fins Não Habitacionais, que beneficiem do regime da moratória previsto nos artigos 7º a 8º-A da Lei nº 4º-C/2020, de 6 de Abril, os senhorios encontram-se impedidos de avançar com qualquer diligência judicial ou extrajudicial, exceto, se houver incumprimento desse regime por parte dos arrendatários, ou, ainda, se for alcançado entre as partes um acordo extrajudicial.
(iv) Cabe ainda referir que, no que concerne aos estabelecimentos comerciais que, por determinação legal ou administrativa da responsabilidade do Governo, tenham sido encerrados em março de 2020 e, que, ainda permaneçam encerrados a 1 de janeiro de 2021, a Lei nº 75-A/2020, de 30 de Dezembro, veio criar um regime especial para tais situações, numa dupla vertente:
– Prorrogação forçada do contrato por igual período ao da duração da medida de encerramento, aplicando-se, durante este novo período de duração do contrato os efeitos da suspensão, pelo que, os senhorios apenas poderão pôr termo ao contrato nas seguintes circunstâncias:
(i) caso o arrendatário venha manifestar ao senhorio que não pretende beneficiar do regime da suspensão, nem da prorrogação;
(ii) se o arrendatário se constituir em mora quanto ao pagamento da renda vencida a partir da data da reabertura do estabelecimento, exceto se se encontrar abrangido pelo respetivo diferimento (nºs 4 a 6 do art. 8º da Lei nº 1-A/2020),
– Um regime especial de moratória previsto no artigo 8º-B da Lei nº 4-C/2020, de 6 de Abril, quer em relação às rendas vencidas durante o ano de 2020, em relação ás quais pode voltar a diferir o respetivo pagamento, quer relativamente às rendas vencidas durante o ano de 2021.
Ora, com exceção das situações previstas nos pontos iii) e iv), a verdade é que, em relação aos senhorios não se verifica um total impedimento no exercício dos seus direitos, nem tão-pouco se justifica que, até à data, se verificasse uma prática, um mito, no sentido de que, estando em causa um imóvel locado que corresponda ao local de residência dos arrendatários, automaticamente, deveriam considerar-se suspensas as acções de despejo, os procedimentos especiais de despejo e as execuções para entrega de imóvel em curso.
Para a clarificação desta questão, muito contribuiu a atual redação dada pela Lei 4-B/2021, de 01/02, ao nº 11 do artigo 6º-B (Prazos e Diligências) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, a qual refere expressamente que: “São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando por requerimento do arrendatário ou do ex arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta e habitação própria ou por outra razão social imperiosa”.
De facto, não podemos deixar de referir que, não existe qualquer impedimento à propositura por parte dos senhorios de quaisquer ações de despejo cujo fundamento se tenha verificado em data anterior ou seja contemporâneo à decretação da situação epidemiológica Covid-19 (exºs: resolução dos contratos de arrendamento nas situações previstas nos nºs 1 e nas alíneas a) a e) do nº 2 do art. 1083º do CC; ações de despejo por falta de pagamento de rendas vencidas em data anterior à decretação da situação epidemiológica, cfr. nºs 3 e 4 do art. 1083º do CC); ações de despejo por falta de pagamento de rendas vencidas que sejam posteriores à data da epidemia Covid 19, quando os arrendatários não beneficiem do regime moratório).
Sendo que, em relação aos procedimentos especiais de despejo, não só se deverá ter em consideração aqueles que foram instaurados em data anterior àquela em que foram decretadas tais medidas, como também aqueles que foram instaurados na pendência da atual situação e que podem respeitar quer à alínea e) – resolução do contrato por falta de rendas vencidas em data anterior a 1 de Abril de 2020, quer à alínea f) (denúncia do contrato pelo arrendatário), previstas no nº 2 do art. 15º do NRAU.
E, finalmente, no que concerne às execuções para entrega de coisa certa, não só se deverá ter em consideração aquelas que já se encontravam pendentes à referida data, como também aquelas que foram instauradas posteriormente pelos senhorios.
Pelo que, tendo em consideração a atual redação do nº 11 do artigo 6º-B da Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, é manifestamente inequívoco que estes processos / procedimentos judiciais só podem ficar suspensos, única e exclusivamente, quando se venha a provar que a efetivação do despejo possa vir a colocar o arrendatário em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa, sendo que, no que concerne às ações executivas para entrega de coisa certa, esta matéria encontra-se prevista nos artigos 863º nº 3, 864º (diferimento da desocupação por razões sociais imperiosas) e 865º (termos do diferimento da desocupação) do CPC, os quais prevêem um regime próprio de proteção do arrendatário, redação esta que é em tudo semelhante à do art. 15º-M, nº 2 e 15º-N do NRAU.
Mais, doravante, deverá erradicar-se por completo a ideia de que estamos perante uma suspensão automática da entrega do imóvel locado, na medida em que, é o próprio arrendatário ou ex-arrendatário que tem de vir aos autos requerer e provar a sua pretensão, devendo, posteriormente, ser conferido ao senhorio o respetivo exercício do contraditório e, a final, ser proferida decisão judicial que confirme ou não a existência de tais pressupostos.
Ou seja, em síntese, no que concerne à referida disposição legal, é manifestamente inequívoco que:
(i) A mesma não se aplica aos Contratos de Arrendamento para Fins Não Habitacionais, pelo que, não existe qualquer fundamento para a suspensão desses processos, quando esteja em causa a entrega de imóveis locados para fins não habitacionais;
(ii) Não existe qualquer suspensão destes processos/ procedimentos em relação aos Contratos de Arrendamento para Fins Habitacionais, quando, da decisão final a proferir, não resulte para o arrendatário uma situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa.
Carla Freire, Advogada RSA LP.
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