
Nulidade do contrato de trabalho celebrado com Administrador da empresa
Nulidade do contrato de trabalho celebrado com Administrador da empresa
Na realidade empresarial acontece que muitas vezes coexiste, na mesma pessoa a qualidade de participante no capital e de trabalhador subordinado.
Sucede que, à partida, o Direito não coloca nenhum impedimento a essa situação, todavia a questão não será assim tão linear quando esse mesmo trabalhador se confundir com o próprio ente coletivo.
No entanto, dependendo do timing de nomeação de administrador e celebração de contrato de trabalho pode culminar com a nulidade do contrato de trabalho celebrado, cfr. art. 398.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.
O preceito legal suprarreferido dá nota, também, da proibição, da celebração de contrato de trabalho após (ou em simultâneo) com a nomeação de administrador e que se destine a produzir efeitos em momento posterior à cessação das suas funções (enquanto administrador).
A ratio por detrás deste artigo liga-se com os princípios mais basilares respeitantes à condução da vida das sociedades. É através da figura do administrador que a sociedade exterioriza a sua vontade, sendo que a este cabe a gestão de bens que lhe são, muitas vezes alheios, em prol de um coletivo de sócios. É ao administrador, enquanto titular do órgão de administração, que compete o cumprimento de um apertado feixe de deveres de conduta (cfr. art. 64.º CSC), assim como o exercício de direitos da sociedade.
Pelo facto de este individuo ter tanto poder na condução da vida corrente da empresa existe um maior risco de que este abuse da faculdade que lhe é conferida em detrimento da própria organização empresarial.
A lógica é que, como em todas as relações tendencialmente fiduciárias, existe uma maior possibilidade de surgimento de conflitos de interesses, pelo que se procura assegurar a proteção do representado (sociedade) perante a liberdade de gestão do representante (administrador) e o consequente perigo de preterição do interesse da sociedade ou do interesse dos seus sócios.
Em termos laborais, tal pode acontecer exatamente com a celebração de vínculos fictícios, com a intenção de apadrinhar proveitos pessoais; sendo que aqui urge um risco acrescido de fraude na constituição dessas relações.
Ora acontece que, uma das características primordiais da relação de trabalho é o poder de autoridade concedido à entidade patronal, sendo que um trabalhador labora em regime de subordinação, por conta e autoridade do empregador (cfr. artigo 11.º do CT e 1152.º do CC), tendo que cumprir as ordens e instruções que lhe forem transmitidas (cfr. art. 128.º, n.º 1 e) do CT).
Nesta senda, não é lógico que tal posição se compagine com a relação estabelecida entre a sociedade e os seus administradores. Na prática, o administrador/trabalhador seria a sua própria entidade patronal e ao admitir-se tal estar-se-ia a aceitar a celebração de um negócio consigo mesmo (cfr. art. 261.º CC) – sendo o seu objeto contratual contrário à lei e estando compreendido pela proibição do art. 398.º, n.º 1, do CSC.
Por isso, o legislador tem uma particular hostilidade relativamente às situações de trabalho conexas com a relação de administração. Sendo que esse antagonismo abarca também a possibilidade de o titular do órgão de administração celebrar contratos de prestação de serviços com a sociedade administrada.
Poderíamos, eventualmente, argumentar que a culminação de nulidade do contrato de trabalho comportaria uma clara violação da proibição dos despedimentos sem justa causa (cfr. art. 338.º do CT), indo contra a proteção constitucional da liberdade de escolha da profissão, da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho, a que se referem as disposições dos artigos 53. ° e 58. °, n.º 1 ambos da CRP.
Todavia, cumpre atender que a norma do n.º 1 do 398.º do CSC apresenta um pendor marcadamente comercial, ou seja, impõe a invalidade do contrato celebrado, por violação de regras do direito societário. Estamos a falar de um individuo que se vê subjugado à aplicação destes preceitos por sua livre escolha e iniciativa, uma vez que aceitou desempenhar um cargo de administração, em pleno exercício da sua própria “liberdade de escolha de profissão”.
Nesse sentido, cumpre não confundir o direito de liberdade de profissão que o artigo 47. °, n.º 1, da CRP consigna, com o exercício livre da profissão, uma vez que as limitações e condicionamentos que possam ser instituídos relativamente ao exercício de um determinado cargo ou função não constituem restrições ao direito de escolha de um género de trabalho. Por isso, urge a necessidade de proteção de valores que se inscrevendo no comércio jurídico geral (proteção dos sócios, da própria sociedade e dos terceiros que com ela se relacionem) transcendem os meros interesses profissionais dos particulares.
Concluindo, cumpre destacar que esta sanção não condiciona o administrador para todo o sempre, uma vez que quando cesse a relação de administração, poderá este sempre vir a ser contratado como trabalhador ou prestador de serviços da sociedade (até porque cessa a situação potencialmente geradora de conflito de interesses), ou mesmo, o Código das Sociedades Comerciais permite, também, que um trabalhador de determinada empresa suspenda a sua prestação de trabalho e seja a posteriori nomeado administrador (cfr. 398.º, n.º 2 do CSC), mantendo o seu vinculo e retornando à sua categoria profissional de trabalhador após o seu mandato como administrador.
Nulidade do contrato de trabalho celebrado com Administrador da empresa, por Joana Rangel de Sousa.
Nova edição do e-book Guia Prático da Reestruturação, Revitalização e Recuperação de Empresas
Latest Posts
Moçambique – Código do Registo Predial anotado e comentado e Legislação Complementar
JTNDJTJGcCUzRSUzQ2lmcmFtZSUyMHdpZHRoJTNEJTIyNjIwcHglMjIlMjBoZWlnaHQlM0QlMjI2MDBweCUyMiUyMHNyYyUzRCUyMmh0dHBzJTNBJTJGJTJGd3d3Lnl1bXB1LmNvbSUyRnB0JTJGZW1iZWQlM...
Whistleblowing: A «Voz» aos Especialistas
João Luz Soares, Advogado Associado Principal, e Tiago Marques, Advogado Coordenador falam à Revista Pontos de Vista sobre a lei que estabelece o...
Whistleblowing: A «Voz» aos Especialistas
Formação – Insolvência as Alterações, Soluções e Oportunidades
Formação | Insolvência as Alterações, Soluções e Oportunidades Alterações ao CIRE Introduzidas pela Lei 9/2022, dee 11 De Janeiro 27 Junho De 2022 -...