
Inovações do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas

Inovações do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas
A actividade económica não é alheia à tendência das sociedades modernas em direção à maior regulamentação de todos os aspectos da interação humana, mesmo aqueles que, há não muito tempo, eram considerados de escassa acuidade ou até tolerados como contingências da vida social. Inclusive em sociedades ideologicamente inseridas em sistemas de mercado livre, o apertar da malha regulatória deu uma nova relevância ao direito sancionatório de menor grau – o direito de mera ordenação social – por contraponto com o direito sancionatório mais solene – o direito penal – por força das consequências mais gravosas que ameaçam cair sobre os prevaricadores.
Evidentemente, se temos maior regulação o acatamento da mesma tem que ser assegurado por um sancionamento acrescido e se as novas condutas ilícitas não recaem nas tipificações penais por se entender que não respeitam ao âmago dos direitos essenciais que é forçoso respeitar em benefício de uma convivência pacífica, nem por isso deixa de ser exigível a sua observância e sancionada com a cominação de sanções mais severas, nomeadamente as pecuniárias envolvendo montantes cada vez mais astronómicos.
É nesta senda que o Decreto-Lei n.º 9/2021 de 29 de Janeiro, aprovou o Regime Jurídico das Contraordenações Económicas (RJCE), vigente desde 28 de Julho de 2021, que se afastou de forma relevante do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), matriz do direito de mera ordenação social, no que respeita aos aspectos processuais do regime.
Quanto ao âmbito de aplicação, o artigo 1.º, n.º 2 especifica que por contraordenações económicas entende-se «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de disposições legais e regulamentares, relativas ao acesso ou ao exercício, por qualquer pessoa singular ou coletiva, de atividades económicas nos setores alimentar e não alimentar e para o qual se comine uma coima.» No entanto, ressalvam-se aquelas actividades cujas especificidades os beneficiam com um regime próprio, estipulando-se no n.º 3 do mesmo artigo que não são contraordenações económicas as ocorridas «nos setores ambiental, financeiro, fiscal e aduaneiro, das comunicações, da concorrência e da segurança social.»
Mas é quanto aos montantes das coimas aplicáveis às pessoas colectivas, prazos prescricionais, contagem de prazos e benefícios para o pagamento voluntário da coima que o RJCE se mostra mais inovatório divergindo das soluções consagradas pelo RGCO.
Desde logo, mantendo os critérios clássicos de determinação da medida da coima, comuns ao RGCO e tanto aplicáveis a pessoas singulares como colectivas – gravidade da contraordenação, culpa do agente, sua situação económica e benefício económico obtido com a prática do facto ilícito –, o RJCE introduz um critério diferenciador do montante das coimas aplicáveis às pessoas colectivas que não existia no RGCO: a dimensão da empresa infractora. Esta é determinada em função do número de trabalhadores, classificando-as como micro, pequenas, médias e grandes empresas, consoante tenham ao seu serviço até 9 trabalhadores, entre 10 e 49 trabalhadores, entre 50 e 249 trabalhadores e mais de 250 trabalhadores (cfr. artigo 19.º, n.º 1). Ora, nos montantes das coimas estatuídas pelo artigo 18.º, em que são fixadas as molduras, os limites mínimos e máximos aplicáveis às pessoas colectivas variam, não só em função da gravidade da infracção (leve, grave e muito grave), mas também em função da dimensão da empresa sendo aplicados limites mínimos e máximos progressivamente agravados quanto maior for a dimensão da empresa. A título exemplificativo refira-se que a moldura no caso de uma contraordenação grave é de 1700,00 a 3000,00€ para uma microempresa, de 4.000,00 a 8.000,00€ no caso de pequena empresa, de 8.000,00 a 16.000,00€ para as médias empresas e, finalmente, as grandes empresas sancionadas pela prática de uma contraordenação grave, terão que pagar uma coima entre 16.000,00 a 24.000,00€. Pese embora, os valores envolvidos não serem chocantes se pensarmos, por exemplo no regime de prevenção do branqueamento de capitais em que as coimas podem ir até aos 5.000.000,00€, a verdade é que esta disposição representa um corte assinalável com o modelo do regime geral que apenas distingue as pessoas singulares das coletivas na estatuição dos valores das coimas aplicáveis.
Outra mudança assinalável respeita à prescrição cujos prazos passam a depender, não do montante das coimas. mas sim da gravidade da contraordenação, para além de se eliminar o prazo prescricional subsidiário de um ano. Assim, o RJCE apenas prevê dois prazos de prescrição do procedimento: de cinco anos para as infracções graves e muito graves e de três anos para as infracções leves.
O mesmo afastamento do regime geral é patente na regra relativa à contagem dos prazos para a prática de quaisquer actos previstos no regime jurídico, que passam a ser contados em dias corridos e não por dias úteis (cfr. artigo 44.º) seguindo o regime do processo penal. Esta inovação veio por fim a uma certa confusão originada pelo RGCO em que somente se referia expressamente a regra da contagem do prazo para a impugnação judicial, que era feita por dias uteis, nada se dizendo quanto aos demais prazos nele previstos, sendo certo que na fase judicial, aplicando-se o Código de Processo Penal, igualmente vigorava a regra da continuidade. Aqui, a falta de uma regra geral de contagem de prazos suscitava, não poucas vezes, dúvidas quanto à natureza continua ou por dias uteis dos prazos.
No rol das novidades trazidas pelo RJCE, por confronto com RGCO, sobressai ainda o beneficio acrescido pelo pagamento voluntário da coima que é feito com uma redução de 20% do limite mínimo da coima aplicável à infração dolosa, desde que o agente não tenha sido condenado nos últimos três anos por uma contraordenação muito grave, caso em que o beneficio pelo pagamento voluntário se fica pelo limite mínimo. Ao contrário do regime geral em que as custas seriam devidas por inteiro, independentemente do pagamento voluntário, no âmbito do RJCE, se aquele ocorrer no prazo para o exercício do direito de audição e defesa, as custas são reduzidas a metade.
Não representando uma surpresa ou um corte radical, a vigência doi RGCE, que veio amalgamar vários regimes sectoriais, reforçou a tendência de aproximação do direito contraordenacional das soluções consagradas no direito penal e processual penal, confirmando a propensão para a uniformização processual do direito sancionatório.
Inovações do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, por Manuel Nobre Correia.
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