
MAIS HABITAÇÃO – Celeridade dos Despejos – Ilusão ou Realidade?

MAIS HABITAÇÃO – Celeridade dos Despejos – Ilusão ou Realidade?
O que muda com o Balcão do Arrendatário e Senhorio (BAS) e com a alteração ao Procedimento Especial de Despejo (PED)?
O Programa “Mais Habitação” apresentado pelo Governo em 16 de Fevereiro de 2023, tinha como principal objectivo minimizar os efeitos da crise habitacional que vêm assolando o País, através de um conjunto de medidas que, por um lado, visavam aumentar a oferta de imóveis para fins habitacionais e combater a especulação imobiliária através de limitações ao valor das rendas nos novos contratos de arrendamento e, por outro lado, reforçar a confiança dos proprietários no mercado de arrendamento.
Com vista a prosseguir tal objectivo, o Programa “Mais Habitação”, veio avançar com 3 (três) medidas essenciais, nomeadamente:
(i) Criação do “Programa Arrendar para Subarrendar” (DL nº 38/2023, de 29 de Maio), através do qual, é conferida a faculdade ao IHRU em proceder ao arrendamento de imóveis destinados á habitação, por um período de 5 (cinco) anos, com vista a, posteriormente, subarrendar essas mesmas casas a preços acessíveis. Ou seja, desta forma, o IHRU, compromete-se a pagar uma renda aos proprietários, com vista a que os mesmos possam usufruir de rendimento mensal estável, á margem de quaisquer incumprimentos, com a garantia de que os imóveis locados serão entregues em condições idênticas às recebidas, além de, ainda, poderem vir a auferir de determinados benefícios fiscais;
(ii) Em caso de incumprimento dos contratos de arrendamento para habitação por falta de pagamento de rendas, que se vençam após o prazo da oposição, o Estado passa a substituir-se ao arrendatário e irá assumir o pagamento de um valor máximo mensal correspondente a 1,5 vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida, com o limite total de nove vezes a Remuneração Mínima Mensal Garantida. Contudo, para que, o senhorio venha a auferir de tal pagamento, é necessário que, o arrendatário ainda se mantenha a ocupar o locado e o senhorio tenha requerido cumulativamente com o pedido de despejo, o pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso.
(iii) Criação do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) em substituição do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), ao qual caberá assegurar a tramitação do Procedimento Especial de Despejo (PED) e do Serviço de Injunção em Matéria de Arrendamento (SIMA), tendo como objectivo a simplificação do seu funcionamento e, ainda, o reforço das garantias dos senhorios e arrendatários.
De facto, volvidos vários anos sobre a criação e instalação do BNA, o qual pretendia constituir uma resposta á morosidade dos tribunais, não poderá deixar de se reconhecer que, em termos de celeridade e eficácia, os seus objectivos não foram alcançados. Efectivamente, nos casos em que, o arrendatário deduza oposição, ou qualquer outra pretensão que determine a remessa do processo para o Tribunal, os proprietários poderão ter de aguardar cerca de 1 (um) ano até que o locado lhe seja entregue devoluto de pessoas e bens.
No passado dia 06 de julho, foi votada na especialidade a Proposta de Lei nº 71/XV/1º, que prevê a criação do Balcão do Arrendatário e do Senhorio (BAS) e, ainda, vem introduzir várias alterações ao Procedimento Especial de Despejo (PED).
As principais alterações introduzidas ao referido Procedimento Especial de Despejo, com vista a ser alcançar a tão expectável celeridade na execução dos despejos e, simultaneamente, assegurar aos arrendatários uma alternativa ao realojamento, foram as seguintes:
(i) Admissibilidade em recorrer ao procedimento especial de despejo quando se tenha frustrado a comunicação ao arrendatário;
(ii) Á notificação dos arrendatários passam a ser aplicadas as regras previstas nos artigos 231º, 232º, 237º, 238º e 246º do CPC, ou seja, frustrando-se a via postal, doravante, passará a ser possível proceder á notificação por agente de execução ou funcionário judicial, bem como por mandatário judicial e, mais concretamente, no que respeita às pessoas colectivas, passarão a aplicar-se as regras previstas no art. 246º do CPC;
(iii) Quando não haja oposição ao despejo, ou, se considere a mesma como não deduzida, e, ainda, quando o arrendatário não proceda á desocupação do locado, nem ao pagamento ou depósito das rendas que se venceram na pendência do procedimento especial de despejo, o processo será concluso ao juiz, a fim de ser proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio, devendo, a mesma ser concretizada de imediato;
(iv) Por outro lado, quando a oposição seja julgada improcedente, o juiz condena o arrendatário a proceder entregar o imóvel no prazo de 30 (trinta) dias, valendo tal decisão como autorização de entrada imediata no domicílio, sem prejuízo de as partes poderem acordar um prazo diferente para a entrega do locado.
(v) Caso os serviços de segurança social que acompanham o procedimento de
despejo, venham a concluir no relatório a apresentar sobre a situação social do arrendatário que o mesmo se encontra numa situação de especial fragilidade por falta de alternativa habitacional ou outra razão social imperiosa, tais circunstâncias constituem motivo excepcional para ser decretada a suspensão do processo de despejo.
Ora, sem prejuízo de consideramos que as alterações preconizadas ao Procedimento Especial de Despejo (PEC) tiveram como objectivo ultrapassar alguns obstáculos à tramitação do referido processo e, simultaneamente, colmatar determinadas lacunas, a verdade é que, com toda a probabilidade, as mesmas serão manifestamente insuficientes para alcançar o objectivo pretendido e, por conseguinte, para satisfazer as legitimas expectativas de ambas as partes.
Efectivamente, no âmbito desta matéria, não estamos a colocar em causa, quer a necessária protecção da defesa dos arrendatários, quer a protecção dos legítimos interesses dos senhorios, isto porque, ambas as partes detêm ao seu alcance os mecanismos jurídicos necessários para fazer valer os seus direitos, estamos, isso sim, a questionar a eficácia dos referidos mecanismos e das alterações ora propostas.
De facto, se tivermos em consideração a posição dos arrendatários (não podemos deixar de referir que, a maior parte dos procedimentos especiais de despejos está directamente relacionada com a falta de pagamento de rendas e com a não entrega do locado, na sequência da oposição à renovação dos contratos de arrendamento por parte do senhorio), certamente, as medidas ora preconizadas – sub-rogação do Estado nos direitos do senhorio em relação às rendas liquidadas, os quais poderão ser exercidos através de execução fiscal e definição de um determinado prazo para proceder à entrega do locado – não vão de encontro às suas legitimas expectativas,
expectativas essas que, estão direcionadas para o encontro de uma solução alternativa para o seu realojamento, com a maior brevidade possível.
E, se atentarmos aos legítimos interesses dos senhorios, certamente, o seu principal objectivo, não consistirá em ser ressarcido do valor correspondente às rendas, ou, a uma determinada percentagem das mesmas (tanto mais que, dispõe dos meios judiciais necessários para obter a cobrança coerciva dos referidos montantes quer perante o arrendatário, quer perante o fiador), mas si, em recuperar o imóvel locado, com a maior rapidez possível, a fim de voltar a colocá-lo no mercado de arrendamento.
Efectivamente, não podemos deixar de referir que, quer o actual BNA, quer o futuro
BAS, apenas tem competência, para executar e tornar efectivo o despejo na sequência da cessação do contrato de arrendamento que já tenha operado extrajudicialmente, ou seja, não detêm competências de natureza judicial, dado que, a sua principal função está relacionada com a constituição de um título para a desocupação do locado.
Porém, tal não significa que, o Procedimento Especial de Despejo (PED) não pudesse ser simplificado, com vista a corresponder á legitima expectativa de todos os intervenientes, contudo, a verdade é que, as alterações ora preconizadas, não foram nesse sentido.
De facto, entre as alterações propostas, não podemos deixar de referir que, é manifestamente incompreensível que, o requerimento de despejo tenha de ser sempre remetido ao tribunal, inclusivamente, nas situações em que não foi deduzida qualquer oposição, a fim de ser proferida decisão judicial para entrada imediata no domicílio. Por outro lado, ao passar a ser conferida ao arrendatário a faculdade de, no prazo para a oposição, deduzir incidente de intervenção principal provocada, tal situação irá retardar ainda mais a normal prossecução do processo.
Acresce que, nos casos em que os serviços da segurança social (que, doravante, passam a acompanhar o procedimento de despejo), venham a concluir que o arrendatário se encontra numa situação de fragilidade por falta de alternativa habitacional ou outra razão social imperiosa, sendo decretada a suspensão do processo de despejo, quanto tempo irá demorar até ser encontrada uma alternativa para a realojamento do arrendatário e para o senhorio obter a desocupação do locado?
Sendo assim, em face destas contingências, não podemos deixar de concluir que, com toda a probabilidade, as medidas ora adoptadas, poderão vir a traduzir-se numa mera ilusão, isto porque, não só, não irão conferir uma maior protecção aos arrendatários, como também, não reforçam a confiança dos investidores com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, ao nível da redução da oferta de imóveis no mercado para arrendamento.
MAIS HABITAÇÃO – Celeridade dos Despejos – Ilusão ou Realidade?, por Carla Freire.
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