
Vistos Gold reinventados: a era dourada para os investimentos coletivos “não imobiliários”?

Vistos Gold reinventados: a era dourada para os investimentos coletivos “não imobiliários”?
A recente entrada em vigor da Lei n.º 56/2023 de 6 de outubro (“Mais Habitação”) introduziu mudanças significativas na Lei n.º 23/2007 de 4 de julho, que regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Este novo quadro legal, altera profundamente o regime anterior da Autorização de Residência para Atividade de Investimento (ARI), comummente conhecido como “Vistos Gold”. Entre as alterações mais impactantes está a extinção de certas modalidades de investimento, especialmente aquelas relacionadas com qualquer investimento imobiliário e, bem assim, a transferência de capitais em montantes elevados (1.5 M€). Em contrapartida, a nova lei pretende valorizar formas de investimento vinculadas à geração de emprego, apoio à pesquisa científica, arte e cultura, bem como, reformular o investimento através de Fundos de Investimento ou Capital de Risco, propondo uma nova redação do art. 3º, n.º 1, alínea d), subalínea vii), da Lei n.º 23/2007, de 04 de julho: “Transferência de capitais no montante igual ou superior a 500 000 (euro), destinados à aquisição de partes de organismos de investimento coletivo não imobiliários, que sejam constituídos ao abrigo da legislação portuguesa, cuja maturidade, no momento do investimento, seja de, pelo menos, cinco anos e, pelo menos, 60 /prct. do valor dos investimentos seja concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional”.
Abordaremos, em particular, a nova redação desta modalidade de investimento. Importa salientar, desde logo, que a nova alteração cria dificuldades de enquadramento do conceito de “OIC Não Imobiliário”, porquanto o mesmo não resulta de qualquer definição ou terminologia legal estabelecida, nomeadamente na legislação sectorial aplicável aos OIC, os quais se regem pelo Regime da Gestão de Ativos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril (o “RGA”) e respetiva regulamentação europeia aplicável. O conceito de OIC, conforme dispõe o artigo 2º do RGA, refere-se a “instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores de acordo com uma política de investimento previamente estabelecida”. Assim, os OIC podem ser sociedades ou fundos de investimento e o artigo 5.º do RGA categoriza-os em (i) OICVM, que investem em valores mobiliários ou ativos financeiros líquidos e (ii) Organismos de Investimento Alternativo (OIA), que se subdividem em Imobiliários (investimento em ativos imobiliários), de Capital de Risco (investimento em empresas com alto potencial), de Créditos (focado em créditos) e Outros (que investem em variados ativos, financeiros ou não). Nesta sequência, para interpretação do respetivo conceito, devemos, em primeiro lugar, definir o que serão OIC não Imobiliário, para, seguidamente subsumir cada um dos tipos de OIC previstos no RGA à definição proposta.
Entendemos que OIC Não Imobiliário deve ser definido como o OIC que não tenha como objeto o investimento em ativos Imobiliários. Atento o conceito proposto, podemos desde já concluir que o tipo legal OIA em Imobiliário (Sociedades de Investimento Coletivo em Imobiliário ou Fundos de Investimento Imobiliário) não se enquadram na definição apresentada, atenta a política de investimento que tem precisamente como objeto o investimento em ativos imobiliários, ficando, por natureza, excluídos do programa ARI. Atendendo à especificidade e latitude da política de investimentos que os outros OIA podem adotar, também consideramos que sempre que não esteja previsto o investimento em ativos imobiliários estes OIC não serão considerados como OIC Imobiliários.
No entanto, cumpre sublinhar que a alteração legislativa em apreço introduz, ainda, o conceito de Investimento Imobiliário direto ou indireto, levantando, uma vez mais, dúvidas interpretativas, atenta a latitude e abrangência dos conceitos em causa.
De acordo com o disposto neste novo nº 5 do art. 3º da Lei n.º 23/2007, importa descortinar o que se entende por investimento direto e investimento indireto, e seguidamente, precisar o conceito de investimento em imobiliário.
Numa análise simplista, o investimento direto refere-se à alocação direta de recursos financeiros para a aquisição e posse de ativos específicos (imobiliários no caso do preceito em análise). Serão os casos em que o OIC adquire o direito de propriedade ou qualquer outra figura similar sobre bens imóveis, possui controlo sobre as decisões relacionadas com esses ativos e está exposto diretamente aos riscos e retornos a eles associados. Por seu turno, o investimento indireto envolve a alocação de recursos financeiros por meio de intermediários ou veículos de investimento, como sociedades. Neste caso, o OIC não possui propriedade direta ou figuras similares sobre os ativos (Imóveis) subjacentes, mas sim sobre as participações sociais do veículo de investimento (sociedade). O conceito de investimento imobiliário refere-se, pois, à aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, seja pela compra, direitos de superfície ou servidões, visando retornos financeiros pela exploração ou valorização do imóvel. Assim sendo, para efeitos do investimento imobiliário indireto devemos considerar o investimento em sociedades que têm como objeto a atividade imobiliária, em particular a compra e venda ou revenda de bens imobiliários, arrendamento de imoveis e atividades imobiliárias por conta de outrem. Considerando as regras de interpretação da lei, nomeadamente o princípio fundamental de que na sua interpretação deve ser reconstituído o pensamento legislativo, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, questiona-se se todo e qualquer investimento imobiliário inclui-se no escopo normativo deste número 5 do artigo 3.º da Lei n.º 23/2007. De salientar que a presente alteração legislativa vem integrada num pacote de alterações a diferentes leis que visa aumentar a oferta de imóveis para habitação, simplificar os processos de licenciamento, aumentar o número de casas do mercado de arrendamento, combater a especulação e ainda proteger as famílias, o denominado de Programa “Mais Habitação”. No que concerne às ARI, decorre que este programa foi alterado em função da alegada especulação imobiliária, designadamente, nos grandes centros urbanos e nos imóveis de uso habitacional, provocando um aumento de preço dos imóveis bem como das respetivas rendas. Nesta sequência, é imperioso definir e limitar o conceito de investimento imobiliário no âmbito do programa ARI, sob pena de desvirtuar e limitar o investimento no tecido empresarial português por parte de OIC.
É comummente aceite que o investimento imobiliário é acessório a quase todas as atividades económicas e comerciais. Em particular, merecem destaque os setores do comércio, indústria, agricultura e pecuária e ainda da hotelaria, os quais, para desenvolvimento da respetiva atividade, têm obrigatoriamente de adquirir ou arrendar/locar um imóvel, criando postos de trabalho, e ajudando no desenvolvimento da economia, tratando-se verdadeiramente de atividades económicas não imobiliárias.
São setores que, não exercendo a título principal uma atividade imobiliária, têm acessoriamente subjacente uma parte de investimento imobiliário, necessário para o desenvolvimento da respetiva atividade. Uma simples loja de comércio local, uma fábrica ou um Hotel necessitará sempre de um espaço físico para o desenvolvimento da sua atividade económica.
Contudo, estes imóveis, e em consequência os investimentos imobiliários, são meramente instrumentais ao fim da atividade que se pretende exercer, pelo que, entendemos, estarão excluídos do conceito de investimento imobiliário para efeitos da aplicação do regime ARI. Por fim, para serem considerados no regime ARI, os OIC não imobiliários devem ter pelo menos 60% dos seus investimentos realizados em empresas portuguesas que não se dediquem primariamente ao investimento imobiliário e cumprir com o prazo de maturidade do Investimento de 5 anos previsto no ponto vii) da alínea d) do artigo 3.º da Lei 23/2007.
Dentro do leque de OIC disponíveis, assumem particular destaque os Fundos de capital de risco, que se mantêm como veículos de investimento vocacionados, por natureza, para a capitalização de empresas portuguesas e que, desde que foram aceites para efeitos da candidatura ao Golden Visa, representaram um investimento que ascende a 260 milhões de euros. Naturalmente, que em face das alterações legislativas ora abordadas, os Fundos de Capital de Risco deverão ter em conta as correspondentes limitações e, caso aplicável, reorientar as respetivas políticas de investimento.
Pelo exposto e em jeito de conclusão, a complexidade inerente às recentes alterações no programa Golden Visa, com a introdução da modalidade de investimento em OIC Não Imobiliários, principalmente Fundos de capital de risco, impõe um conhecimento mais aprofundado das várias facetas destes instrumentos. Não se trata apenas de uma compreensão superficial, mas de uma análise detalhada que abrange aspetos como a política de investimento, composição do ativo, conhecimento intrínseco das atividades das sociedades participadas pelo Fundo, o tempo de maturidade dos investimentos, as estratégias de saída, entre outros elementos críticos. Adicionalmente, chamamos a atenção que esta exigência de maior literacia financeira e legal não recai apenas sobre os gestores dos fundos, mas estende-se de forma significativa aos investidores e respetivos assessores e, bem assim, implica, que as entidades distribuidoras do Fundo e agentes referenciadores estejam igualmente bem informados sobre as nuances e especificidades dos investimentos subjacentes. Esta profundidade de conhecimento é crucial para a avaliação da conformidade com as regras do Golden Visa, evitando erros e desconformidades que possam comprometer o processo de candidatura ou renovação da autorização de residência.
Por fim, a referida necessidade de conhecimento e análise aplica-se, naturalmente, às entidades públicas responsáveis pela condução e monitorização do programa, nomeadamente aos técnicos da AIMA. Com efeito, o rigor na gestão do programa Golden Visa exige que estas entidades tenham uma compreensão holística e detalhada dos critérios de elegibilidade, garantindo uma aplicação uniforme e justa das regras. É fundamental que na sua análise e interpretação, reconheçam que a mera presença de bens imóveis no balanço de uma sociedade não a caracteriza, por si só, como uma entidade imobiliária. Esta distinção é vital para evitar uma categorização errónea que possa excluir injustamente candidatos elegíveis.
Assim, o desafio que se coloca com a entrada em vigor das novas regras é duplo. Por um lado, requer uma adaptação e um conhecimento por parte dos intervenientes diretos no mercado de investimento. Por outro lado, exige uma capacitação e sensibilização das autoridades reguladoras e de supervisão, para que o programa continue a funcionar de forma eficiente, justa e atrativa, solidificando o posicionamento de Portugal como um destino fiável e atrativo para investidores estrangeiros. Será o resultado deste binómio que ditará se esta será, ou não, a Era dourada para os investimentos coletivos “não imobiliários”!
Vistos Gold reinventados: a era dourada para os investimentos coletivos “não imobiliários”?, por Ricardo Nóbrega.
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