
O deferimento tácito de atos de licenciamento: resista-se à tentação!

O deferimento tácito de atos de licenciamento: resista-se à tentação!
No dia 19 de outubro o Conselho de Ministros emitiu comunicado anunciando a aprovação, no seguimento da publicação da lei autorização legislativa aprovada pela Assembleia da República e no âmbito do programa Mais Habitação, do decreto-lei que procede à reforma e simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria.
A intenção anunciada com a pretensa simplificação dos licenciamentos no âmbito do urbanismo e ordenamento do território passa pela simplificação de procedimentos para as empresas bem como pela promoção do crescimento, do investimento e do emprego, nomeadamente, no setor da habitação, reduzindo tempo e custos para a construção de novas habitações.
O referido decreto-lei foi aprovado em Conselho de Ministros no seguimento da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 50/2023, de 28 de agosto, no âmbito da qual o Governo ficou autorizado, pelo prazo de 180 dias, além do mais, a estabelecer um regime de deferimento tácito nos procedimentos de licenciamento aplicado às operações urbanísticas (alínea i.) do artigo 2.º), bem como a rever os prazos para as entidades públicas, previstos no RJUE (alínea k) do artigo 2.º).
Sem prejuízo da bondade de outras medidas previstas naquele artigo 2º da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 50/2023, o estabelecimento de um regime de deferimentos tácitos nos procedimentos de licenciamento aplicado às operações urbanísticas concomitantemente com a revisão (redução) de prazos para entidades públicas previstos no RJUE será, paradoxalmente, causa de complexidade e morosidade dos procedimentos administrativos de licenciamento.
Se os prazos mais alargados atualmente previstos na legislação são recorrentemente incumpridos pelas entidades públicas, não nos parece que a redução desses prazos tenha qualquer significado ou relevância para além de uma mera intenção propagandística e populista.
O incumprimento dos referidos prazos pelas entidades públicas não resulta certamente de inação deliberada dos órgãos e funcionários daquelas entidades, antes da sua incapacidade de apreciar todos os processos em tempo por falta ou inadequação de meios para o efeito.
O alargamento do regime do deferimento tácito e a redução de prazos para as entidades públicas terá como resultado a tentação de apreciações precipitadas por parte daquelas entidades sobre os procedimentos administrativos em curso e, com isso, a redução da segurança dos particulares em obterem decisões ponderadas e válidas, ou seja, em manifesta contradição com o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos: o da obtenção de uma decisão legal sobre a sua pretensão.
O risco de proliferação de atos tácitos de deferimento terá ainda por consequência o aumento de atos (tácitos) inválidos, nomeadamente, por violação de regras urbanísticas, resultante de absoluta falta de análise do caso.
As consequências das medidas apontadas serão apenas as seguintes: por um lado, o aumento da litigiosidade provocada pela proliferação de atos inválidos, seja por menor ponderação e cuidado na apreciação dos pedidos para cumprimento de prazos mais reduzidos, seja por virtude da proliferação de atos tácitos; por outro lado, a perda de confiança de terceiros em atos administrativos de licenciamento, levando os investidores a desconfiar da validade dos atos proferidos (tácita ou expressamente), obrigando os mesmos a morosos processos de análise de validade dos referidos atos expressos ou tácitos.
A solução para o problema – como em tantos outros –, não passa pela redução, em letra de lei, dos prazos previstos para decisão pelas entidades públicas nem pelo estabelecimento de novos deferimentos tácitos, antes pela efetiva tutela jurisdicional que imponha, em tempo, o cumprimento dos prazos atuais às entidades públicas, bem como no reforço das equipas e das condições de trabalho dos técnicos que apreciam os respetivos processos de licenciamento.
De nada serve ao interessado obter a aprovação da sua pretensão por via de ato tácito para depois ver esse ato ser declarado nulo pela entidade pública que incumpriu o seu prazo de decisão e não lograr obter decisão, em tempo útil, por parte dos Tribunais Administrativos sobre a validade do ato e/ou reconhecimento dos seus direitos.
Revelar-se-ia mais útil para as anunciadas simplificação, desburocratização e celeridade dos procedimentos administrativos de licenciamento e garantir-se que todos os cidadãos acedem a decisões expeditas sobre os processos junto dos Tribunais Administrativos, nomeadamente, no que concerne à intimação judicial para a prática de ato legalmente devido prevista no atual artigo 112.º do RJUE e nas ações administrativas de impugnação de atos.
Poderia(á) o legislador aproveitar e concretizar definitivamente o direito à outorga de compromisso arbitral previsto no artigo 184º do CPTA, pelo menos, no que concerne a questões urbanísticas, impondo ou recomendando às entidades públicas competentes a pré-vinculação ao CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa –, para matéria de licenciamento urbano e, com isso, permitindo aos particulares a obtenção de decisões céleres: sejam intimações judiciais para a prática de ato devido, sejam ações administrativas de impugnação de atos de licenciamento, sejam ações administrativas de responsabilidade civil da Administração nos termos do artigo 70.º do RJUE.
Não há Justiça sem celeridade. Não há decisões expeditas sem meios adequados. Compreendendo o legislador este ponto, certamente resistirá à tentação do deferimento tácito. Não o fazendo, as alterações anunciadas não serão mais do que meras causas de insegurança para os investidores.
O deferimento tácito de atos de licenciamento: resista-se à tentação!, por Rui Moreira de Resende.
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