
Direito empresarial e advocacia num mundo em mudança

Direito empresarial e advocacia num mundo em mudança
Foi anunciada uma fusão gigantesca no mundo da advocacia, que originará a terceira maior sociedade de advogados do mundo: 1- a Allen & Overy, com sede em Londres, possui cerca de 3.000 advogados e no último ano fiscal apresentado, teve um volume de negócios de mais de 2,65 mil milhões de dólares em todo o mundo; 2- a Shearman & Sterling, com sede em Nova Iorque, teve um volume de negócios de pouco mais de mil milhões de dólares em 2021 e conta com mais de 700 advogados.
Na actualidade, o direito empresarial é uma divisão do direito privado que tem um âmbito normativo específico, mas em que a crescente evolução é cada vez de maior complexidade e que se dirige às empresas, sócios e também aos seus dirigentes.
É indiscutível que, o campo de atuação da advocacia é muito amplo, existindo vários compartimentos jurídicos, que segregam temas e problemas, para que empresas desenvolvam a sua actividade e se relacionem no plano normativo com o Estado, a Comunidade, Mercado, entre outros actores.
Por outro lado, a dinâmica empresarial, o mundo dos negócios, as operações comerciais, carecem de uma visão multidisciplinar associada ao domínio do sector de actividade e enquadramento regulamentar, pelo que a advocacia não poderá limitar o seu papel ao conhecimento dos procedimentos, doutrina, jurisprudência, ou à interpretação do quadro legal vigente.
No passado recente, as Faculdades de Direito, e também a Ordem dos Advogados, por via dos programas formativos, com uma estrutura e densidade focada em disciplinas jurídicas de natureza adjectiva, definiam o espaço e o perfil da advocacia: tribunais e mandato forense.
No entanto, a evolução normativa e as necessidades das empresas, impõem que a advocacia vá muito para além da representação em litígios, sendo indispensável um conhecimento e visão empresarial multidisciplinar.
Com a evolução da tecnologia, das práticas comerciais e das relações internacionais, é essencial que os advogados estejam preparados para se adaptar, enfrentando os desafios relacionados com o acompanhamento das novas oportunidades de desenvolvimento empresarial, como, (i) na expansão das empresas a novos mercados geográficos, com abertura de filiais ou sucursais, (ii) nas operações de M&A, consolidando recursos e/ou para garantir o acesso a novos mercados, (iii) na promoção de parcerias estratégicas entre empresas muitas vezes complementares em termos de produtos ou serviços, para criar sinergias e compartilhar recursos, (iv) na promoção do investimento constante no desenvolvimento tecnológico, melhorando eficiência e reduzindo custos; (v) na captação de recursos financeiros e novas formas de financiamento, seja por meio de empréstimos, investidores de capital de risco ou abertura de capital (IPO), ou dos tecnológicos denominados digital securities (também conhecidos por security tokens or tokenized securities), etc.
Ou seja, a advocacia moderna para ser eficaz na representação de interesses empresariais, para além de dominar o quadro normativo específico, terá de conhecer o sector em que a empresa cliente desenvolve a sua actividade, os procedimentos regra e as estruturas mais relevantes, que podem condicionar os objectivos definidos.
Num mercado de micros e pequenas empresas, a advocacia portuguesa terá de assumir um papel de interveniente efectiva na definição de estratégias e planeamento empresarial, propondo soluções técnico-jurídicas que permitam atingir objectivos em articulação com outras disciplinas técnicas e no respeito das regras de mercado, reduzindo contingências aos diversos níveis, nomeadamente: compliance, protecção de dados, concorrência, tributários e até na temática em voga relacionada com activos virtuais e tecnologia de registo distribuído (Blockchain/DLT).
As exigências do mercado empresarial, forçado em grande medida pela globalização, impulsionam a advocacia para a adoção de um modelo multidisciplinar, com a incorporação de diversas áreas de conhecimento (jurídicas e não jurídicas) e especialidades no mesmo espaço. Este modelo “modernizado” desafia os princípios inerentes à profissão, como, a confidencialidade, a independência e sigilo, etc. Por outro lado, a tradição não pode afastar a necessidade dos advogados procurarem soluções modernizadoras e mais próximas da realidade do ambiente empresarial em constante mudança, em busca de maior agilidade, inovação tecnológica e eficiência na resolução das necessidades das empresas e clientes.
Como muitos defendem, o cliente empresarial deste mundo tecnológico e digital, quer e precisa de uma advocacia com mentalidade empreendedora e domínio multifacetado, adoptando procedimentos e soluções integradas, mesmo que por via do recurso ao modelo de parcerias.
Como também muitos reconhecem, o advogado tradicional, especializado em gestão de litígios judiciais e suportando a sua relação com o cliente na base de um mandato forense, corre o risco de estar ameaçado pela evolução do mercado atual.
Não temos dúvidas, o cliente empresarial necessita de um advocacia parceira e representante com capacidade jurídica para dialogar e intervir na resolução de problemas e concretizações de operações comerciais, mantendo um papel técnico, mas não prescindido da sua presença em todas as fases dos procedimentos em causa.
Em suma, a advocacia moderna tem de se libertar do estereótipo, que a limitava a ter capacidade para resolver conflitos e/ou para enfrentar processos judiciais, sem realçar a importância da dimensão preventiva, estratégica e representação global dos interesses das empresas, dos seus sócios e dirigentes. A advocacia nos tempos modernos sofre sérios desafios, para os quais tem de procurar soluções, relacionados por exemplo com temas de cibersegurança, proteção de dados e inteligência artificial, pelo que terá de adotar soluções de modernização tecnológicas que permita melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços jurídicos prestados.
Por último, não será, certamente, através de megas sociedades que se viabiliza o objectivo de satisfazer as necessidades das empresas portuguesas, num mundo tecnológicos e digital, por não permitir uma proximidade eficiente com as empresas e relações de confiança indispensáveis ao exercício da advocacia preventiva e de representação, que pode ser alcançada através de parceria entre advogados e/ou sociedades de advogados, sem receio da multidisciplinaridade técnica.
Direito empresarial e advocacia num mundo em mudança, por António Raposo Subtile João Subtil.

A importância da advocacia preventiva para empresas em crise

A importância da advocacia preventiva para empresas em crise
Na dinâmica empresarial moderna, a advocacia preventiva tem uma função de informação jurídica e avaliação de conflitos, nos limites do enquadramento legal aplicável, que permite que os representantes da empresa possam optar pela alternativa em que a probabilidade do reconhecimento dos seus direitos seja mais elevada.
A advocacia preventiva tem por pressuposto essencial a intervenção especializada do advogado, enquanto conhecedor do sector de atividade e estrutura da empresa, numa fase prévia à interposição da pretensão litigiosa no Tribunal competente, através da conciliação dos interesses ou da mediação empresarial, visando encontrar uma solução que impeça ou torne desnecessária a tramitação de um processo judicial.
Por vezes, as empresas não avaliam, por inexistência dos procedimentos adequados, segundo o critério do custo versus resultado, os benefícios da utilização de mecanismos legais extrajudiciais, tendo em vista reclamar de terceiros (incluindo o Estado) o cumprimento de contratos, liquidação de créditos ou reconhecimento de benefícios legais.
Existe um certo paralelismo entre os serviços jurídicos e os serviços médicos. Também na medicina se aposta em campanhas preventivas e meios auxiliares de diagnóstico, pelo que consultar um jurista habilitado, que é o advogado, para a identificação e/ou alertar para um determinado problema da empresa, é um modo de resolver uma “patologia” ou de evitar uma “doença”: viabilidade, revitalização ou solvência da empresa.
O advogado tem de interiorizar que, quando informa, quando esclarece e quando interpreta o direito para aplicar num caso concreto, está a ser útil e a exercer o patrocínio de interesses alheios. Por outro lado, os representantes da empresa terão de reconhecer que, a consulta/opinião especializada do advogado é diferenciada e vital para a defesa dos direitos da empresa.
A atual situação do sistema judiciário, em que, para além do elevado número de processos pendentes, existe uma instabilidade no regular funcionamento dos tribunais, em consequência da greve dos funcionários judiciais, permite concluir que a dimensão e relevância da advocacia preventiva tem aumentado, sendo mesmo, para as empresas em crise, por vezes, a única via disponível para evitar a precipitação precoce num processo de insolvência.
Existindo custos financeiros elevados das empresas em dificuldades no acesso aos tribunais, no plano jurídico, a avaliação precoce dos problemas empresariais tem enormes vantagens, constituindo uma obrigação dos representantes da empresa efetuar o indispensável procedimento de avaliação das contingências dos litígios e negociação extrajudicial, visando encontrar uma solução.
Se a recuperação preventiva empresarial, como temos defendido, deve ser entendida como uma obrigação de quem representa a empresa, também a resolução de litígios pontuais deve ser objecto de intervenção técnica especializada (advocacia preventiva), para reduzir ou anular as inerentes contingências, financeiras, jurídicas e reputacionais.
Numa fase em que as empresas perdem capacidade ao nível dos recursos financeiros e humanos, como consequência da crise económica em evolução, existirá um inevitável reforço do papel dos advogados ao nível da gestão de conflitos e da implementação dos instrumentos mais adequados à sua superação.

As palavras do legislador ordinário e as do outro sobre Habitação

Direito à habitação
As palavras do legislador ordinário e as do outro sobre Habitação
Os mais fervorosos ideólogos da nova pirâmide de Maslow gritam: “a habitação é uma necessidade humana básica e um direito humano universal. Mas, apesar da sua universalidade, a habitação continua a ser vista por muitas pessoas como uma responsabilidade individual. Em Portugal, a habitação é um direito constitucional consagrado no artigo 65º e a Lei de Bases da Habitação, aprovada em setembro de 2019, considera que o Estado é o garante deste direito.”
Vale a pena transcrever o texto constitucional, que, no essencial, mantém a dimensão e profundidade consagradas aquando da sua aprovação originária em 1976:

Como facilmente se pode constatar e, para os que sentem o problema no exercício da sua profissão, como acontece com os advogados, concluir: existe um enquadramento complexo (de base económica , social e cultural) e uma linha de rumo definida, que se designa por estimular “o acesso à habitação própria ou arrendada”.
Naturalmente que, conseguido o acesso a um imóvel (próprio ou arrendado) indispensável à satisfação da necessidade básica habitação permanente, que a Lei de Bases da Habitação (LBH) designa como “a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência” ; importa criar os instrumentos para remover os incumprimentos contratuais ou ocupações ilegais.
Nesta vertente, a LBH também estipula que:
“Artigo 13. (Proteção e acompanhamento no despejo)
1 – Considera-se despejo o procedimento de iniciativa privada ou pública para promover a desocupação forçada de habitações indevida ou ilegalmente ocupadas.
Mas o que aconteceu?
O tal legislador ordinário (designação técnica utilizada para distinguir o Governo do legislador constitucional e, por vezes, da Assembleia da República), aprovou uma Lei sobre o procedimento especial de despejo (PED) sem atender ao âmbito efectivo do direito fundamental a “habitar/ residir/ viver em um imóvel”, limitando-se a converter o BNA (Balcão Nacional do Arrendamento) em BAS (Balcão dos Arrendatários e Senhorios), que continuará a funcionar como antecâmara administrativa dos Tribunais Judiciais.
Ou seja, depois de outras novidades, como o arrendamento forçado pelo Estado, o legislador só pretendeu regular no plano processual o incumprimento das “relações de arrendamento”, em sentido restrito, sem atender à realidade decorrente do exercício do direito a habitar (residir ou ocupar) um imóvel, sem estar em causa um contrato de arrendamento celebrado entre particulares.
Existem inúmeras situações em que o direito de “habitar um imóvel em permanência” pode ser perturbado pelo facto de existir incumprimento contratual, como se poderá verificar nos imóveis adquiridos com crédito bancário, nos contratos de locação financeira, nos contratos de locação celebrados com o Estado, nos contratos de cedência de unidades turísticas, nos contratos de alojamentos local por períodos superiores a 30 dias, entre outros.
Nestas situações, a acção de despejo (execução/ desocupação coerciva) não se desenvolve por recurso ao BAS, nem ficam assegurados os mesmos direitos aplicáveis a quem “habita um imóvel arrendado”.
A celeridade e segurança do procedimento de despejo (desocupação coerciva de um imóvel), promovido por privados ou entidades públicas, deveria ser assegurada e respeitar um normativo processual comum, para fomentar a credibilidade indispensável ao cumprimento dos contratos e, em consequência, reduzir o risco dessas relações contratuais (valor da contrapartida de habitar um imóvel).
Na LBH foram consagradas as bases para um direito processual em matéria de Habitação (em sentido amplo), comum a todas as situações de desocupação de imóveis “habitacionais”, com fundamento em “ocupações indevidas ou ilegítimas”.
Também deveria o Legislador regular a execução judicial de contratos de crédito bancário (mútuos à habitação ou locação financeira), assegurando uma tramitação célere e credível, assim como as garantias para as famílias despejadas dos imóveis, próprios ou arrendados, quando estiverem nas condições previstas na LBH.
Não é fácil, mas a responsabilidade é do Estado e não dos senhorios ou dos bancos, para além de que tudo indica que o número de processos de desocupação de imóveis habitacionais tenderá a aumentar no curto prazo e o Estado deve garantir o “realojamento das famílias”, sempre que se verificarem as condições consagradas na LBH, a saber:
“As pessoas e famílias carenciadas que se encontrem em risco de despejo e não tenham alternativa habitacional têm direito a atendimento público prioritário pelas entidades competentes e ao apoio necessário, após análise caso a caso, para aceder a uma habitação adequada”.
Direito à habitação, por António Raposo Subtil.

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Compliance empresarial e a decisão de “não conformidade”!

Compliance empresarial e a decisão de “não conformidade”!
Hoje existe um novo “cadastro” para empresas e seus dirigentes que, no desenvolvimento da sua actividade, mesmo antes de serem condenados pela prática de certo tipo de crimes, passam a constar de listagens específicas como por exemplo, “intervenientes em processo de branqueamento capitais”.
Também a existência de notícias na Internet ou imprensa escrita sobre o envolvimento de uma empresa em alegadas operações ilícitas, desde que relacionadas com o branqueamento de capitais, podem ser incluídas em relatório de compliance e, no final, permitir a conclusão de “não conformidade”.
As instituições financeiras e entidades públicas, para além de departamentos de compliance, requerem a terceiros relatórios informativos, no quadro do sistema de avaliação de risco de branqueamento de capitais, tendo acesso ao conjunto de dados (não oficiais) disponíveis na internet e das listagens oficiais, como acontece com os processos judiciais pendentes e estatuto dos intervenientes (arguidos).
Até aqui nada de dramático, mas fundamentar a conclusão de “não conformidade” exclusivamente com tais informações, sem atender ao princípio da defesa e da inocência, não merece a nossa concordância se estiver em causa a abertura de uma conta bancária ou a participação num concurso público.
Muitas vezes, as ditas informações têm vários anos e desmentidos fundamentados, assim como a situação de arguida de uma empresa contamina todo o grupo empresarial e muitas vezes os seus administradores, sendo o inverso (administrador arguido) também verdadeiro.
Todos conhecemos situações tipo, que impõem uma avaliação reforçada para efeitos de compliance, que o legislador tem designado por “indicadores de suspeição” de actividades relacionadas com o branqueamento de capitais, nomeadamente:
- a falta de substância e/ou transparência da operação por não respeitar os normais critérios de mercado e/ ou quadro legal vigente;
- o perfil dos intervenientes por referência à sua nacionalidade, residência fiscal, actividade e estatuto pessoal;
- o modo de formalização da operação em causa e as garantias prestadas relacionadas com a origem dos fundos;
- a natureza da representação dos intervenientes e o tipo de organização societária de suporte.
A responsabilidade pela avaliação do risco de branqueamento de capitais está prevista no quadro legal vigente, assim como o procedimento a adoptar, mas às empresas (e os seus dirigentes) alvo desse juízo, deve ser garantida a defesa contra actos arbitrários, sob pena do cadastro (negativo e limitativo) não justificado, provocar graves injustiças.
Se existir uma informação negativa (por exemplo, arguido num processo) no ecossistema da prevenção do branqueamento de capitais, a empresa ou o cidadão alvo desse juízo, mesmo que não exista condenação judicial (trânsito em julgado) ou prova do alegado facto ilícito (não imputação subjectiva), sofrem restrições aos seus direitos sem que se possam defender.
Muitos começam já a mencionar o ”over compliance“, ou conformidade excessiva, como o conceito que pode ser aplicado em diversos contextos em qualquer país, inclusive em Portugal. Pode referir-se a situações em que as organizações vão além dos requisitos legais ou regulamentares na sua conformidade com normas e regulamentos.
Em Portugal o ambiente regulatório é muito complexo e denso em vários setores, em especial no financeiro, e as empresas são forçadas a adoptar práticas de conformidade mais profundas ou burocráticas do que o estritamente necessário, para mitigar riscos e preservar sua reputação empresarial, com o consequente aumento dos custos operacionais.
Todos reconhecem que, uma declaração de “não conformidade” no contexto de compliance empresarial pode, definitivamente, ter consequências negativas para a reputação de uma empresa, afectando a confiança dos clientes, fornecedores e parceiros, com a inevitáveis implicações financeiras gravosas.
O desenvolvimento do compliance empresarial, como responsabilidade de todos os dirigentes, é crucial para manter a confiança dos stakeholders num mercado transparente e assegurar o sustentabilidade a longo prazo de uma organização empresarial, mas, como acontece num processo judicial, em que um juiz faz uma acusação a que se segue uma contestação, numa decisão de “não conformidade” subscrita por uma entidade não jurisdicional, por maioria de razão, devem ser criados os mecanismos de oposição e respeitados os direitos fundamentais da livre defesa e presunção de inocência.
Compliance empresarial e a decisão de “não conformidade”!, por António Raposo Subtil.

Jornadas de Direito Imobiliário – Overview prático sobre branqueamento de capitais no sector imobiliário

António Raposo Subtil e João Luz Soares estiveram presentes na passada sexta-feira nas I Jornadas de Direito Imobiliário onde partilharam com a plateia uma abordagem prática sobre branqueamento de capitais no sector imobiliário.