
“Compliance empresarial e o Chat GPT”

“Compliance empresarial e o Chat GPT”
Quando fazemos pesquisas na plataforma Chat GPT as perguntas e o foco das mesmas têm relevância ao nível das respostas, num convívio entre inteligência natural e artificial. Perguntei ao Chat GPT quais são as tendências actuais do compliance empresarial?
Ele respondeu de imediato e sem hesitações:
“Atualmente, o campo de compliance empresarial está passando por várias tendências importantes. Aqui estão algumas delas:
- Automação e tecnologia: O uso de tecnologia, como inteligência artificial e aprendizado de máquina, está se tornando cada vez mais comum no compliance empresarial. Isso inclui o uso de ferramentas de monitoramento controlado, análise de dados e detecção de padrões para identificar suspeitas e riscos.
- Ética e cultura organizacional: Há uma ênfase crescente na importância de uma cultura organizacional ética e de integridade. Como as empresas estão reconhecendo que o compliance eficaz não se resume apenas a políticas e procedimentos, mas também a promover valores éticos e comportamentos adequados em todos os níveis da organização.
- Privacidade de dados e proteção de informações: Com a implementação de regulamentações como o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) na União Europeia e leis semelhantes em outros países, as empresas estão dando cada vez mais atenção à privacidade de dados e à proteção de informações sensíveis. A conformidade nessa área envolve o desenvolvimento de políticas e práticas para garantir a conformidade com as regulamentações de privacidade máxima.
- Sustentabilidade e responsabilidade social corporativa: As empresas estão adotando cada vez mais práticas de sustentabilidade e responsabilidade social corporativa. O compliance nessa área inclui o desenvolvimento e a implementação de políticas e procedimentos relacionados a questões ambientais, sociais e de governança (ESG).
- Monitoramento e conformidade contínua: Em vez de se concentrar apenas em auditorias periódicas, as empresas estão adotando uma abordagem de monitoramento e conformidade contínua. Isso envolve o uso de ferramentas de monitoramento controlado, análise de dados em tempo real e implementação de controles internos para identificar e controlar monitoramento de forma mais ágil.”
Depois perguntei, e em Portugal, tendo a resposta sido focada no seguinte:
“Em Portugal, assim como em outros países, o compliance empresarial está a passar por várias tendências relevantes. Aqui estão algumas delas:
- Combate à corrupção e à lavagem de dinheiro: Em Portugal, o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro é uma preocupação significativa. As empresas estão investindo em medidas de compliance para prevenir e detectar essas práticas, em conformidade com as leis e regulamentações nacionais e internacionais, como a Lei de Combate à Corrupção.
- Transparência e integridade nos negócios: Há uma ênfase crescente na transparência e na integridade nos negócios em Portugal. As empresas estão adotando políticas anticorrupção, códigos de conduta e sistemas de denúncia interna para promover uma cultura organizacional ética e combater as práticas seguidas.
- Fortalecimento das autoridades reguladoras: As autoridades reguladoras em Portugal têm reforçado a sua atuação na área de compliance empresarial. Isso inclui a realização de fiscalizações, a imposição de multas e garantias mais rigorosas em caso de não conformidade. As empresas estão se adaptando a essa realidade, fortalecendo suas práticas de compliance para evitar problemas legais e reputacionais.”
Em suma, no meio de algumas ideias comuns que identificam o paradigma actual do compliance empresarial, a sensibilidade do Chat GPT, fomentada pelas opções do nosso legislador e das manifestações públicas da existência de problemas a resolver em Portugal, com uma alegada dimensão diferenciadora, centra as respostas no que gira à volta do “branqueamento de capitais, corrupção e transparência dos negócios”!
Num País minúsculo, satélite de uma constelação designada por União Europeia e membro quase anónimo de Organizações reguladoras do mercado global, será que o compliance empresarial e as suas razões de aprofundamento e equilíbrio devem ser balizadas pelas primeiras respostas, da inteligência artificial, do Chat GPT ou pelas segundas referentes a Portugal, discutíveis no plano da “artificial inteligência”, por redutora e instrumental de opções do legislador português; que só fomenta “perguntas” (e poucas respostas) sobre branqueamento de capitais e corrupção.
O termo “over compliance” não foi incluído pelo Chap GPT na resposta, mas tem merecido apreciações e preocupações de quem actua no mercado real.
Atribui-se a este termo a falta de efetividade de algumas ações decorrentes do programa de compliance ou ao enforcement excessivo do regulador, mas no plano jurídico (defesa de direitos individuais) a “mistura” de normas clássicas assistidas de coercibilidade com normas não jurídicas (alegadamente éticas ou morais), de criação sectorial ou corporativa, pode ao invés de estimular a competitividade e transparência dos negócios gerar discriminações e a defesa dos direitos dos que são alvo da conclusão “não conformidade”.
“Compliance empresarial e o Chat GPT”, por António Raposo Subtil.

Guia prático da Justiça – a vitória da IA?

Guia prático da Justiça – a vitória da IA?
Saber como constituir uma empresa passou a ser mais fácil e rápido com a utilização da inteligência artificial. Os mecanismos de inteligência artificial existem há décadas: a grande diferença é o desenvolvimento recente de muitas dessas novas tecnologias, por um lado, que permitiu a massificação do seu uso e, por outro lado, possibilitou a entrada de muitos destes instrumentos no campo da justiça em vários níveis.
Mas este caminho da IA na justiça não é novo, sendo que existem já vários testemunhos da sua utilização: desde sistemas que utilizam IA para operacionalizar redes legais (como são os casos de mecanismos de canais de denúncia na nova lei do whistleblowing); sistemas de previsão de risco (risk assessment); a utilização da IA enquanto ferramenta auxiliar de investigação; e, até, a utilização da IA na resolução de litígios e a coadjuvar o processo decisório.
Agora temos essa tecnologia, também, através do Guia Prático da Justiça, que é virada para os cidadãos e que visa facilitar – desmistificar – a interação com as entidades em vários processos: até aqui o acompanhamento era feito apenas no tema dos Casamentos e Divórcio, mas existe uma alteração no sentido de alargamento da plataforma.
Este GPJ visa facilitar o acesso aos serviços da Justiça, através da prestação de informação completa e precisa sobre as suas diversas áreas, numa linguagem simples e natural, através de uma plataforma de conversação (pergunta/reposta), tanto em português, como em inglês. Assenta numa componente de inteligência artificial (modelo de linguagem GPT 3.5) e usa técnicas de deep learning para conseguir criar uma linguagem natural, simples, e o mais semelhante possível à escrita humana, sendo capaz de compreender contextos e de adaptar as suas respostas às suas necessidades, sem nunca sair dos temas para os quais foi treinado, nem do objetivo principal que é ajudá-lo.
Esta mesma base tecnológica que já estava disponível sobre casamentos e divórcios na plataforma digital da justiça aplica-se agora ao momento de criação de empresas. E porquê? Porque no âmbito da Empresa Online 2.0, programa lançado em Maio do ano passado, tinha sido detectado que este momento de criação de empresas é um momento complexo e que era necessária informação mais clara sobre a matéria para os interessados e investidores.
Assim temos, conjugados, vários objectivos. Objectivo primário que passa pelo esclarecimento dos investidores e empresários sobre a metodologia de criação da empresa, assim como sobre os passos e documentação necessária. Um objectivo secundário que é, assumidamente, possibilitar a atração de estrangeiros e de oportunidades de negócio. E um objectivo transversal que é também fazer um alargamento progressivo a mais serviços: nacionalidade, aos tribunais, ao registo criminal, à certidão judicial eletrónica ou a outras áreas em que se deseja que estes serviços também incluam uma resposta ainda mais facilitada.
Em conclusão, apenas algumas notas. Esta GPJ não é o CHATGPT: utiliza essa tecnologia mas está restrita às fontes de informação disponíveis no justiça.gov – respeita, por isso, os princípios basilares de utilização da IA com ética, com segurança e responsabilidade. Por outro lado, a utilização da IA é positiva – quando entendida como um vector auxiliar e instrumental no esforço de organização da justiça. Isto é: não substitui o elemento humano e deve acutar numa óptica de automatização de certas tarefas – lógica complementar e não concorrente. Como? Actuando de forma proactiva, conhecendo e prevendo os riscos, aplicando boas práticas, evitando os perigos da IA (desumanização da justiça; aumento da probabilidade do erro; prejudicando a partilha de informação). Com estes limites, caminhamos em direcção a um futuro onde ambos podem, de forma sustentada, coabitar.
Guia prático da Justiça – a vitória da IA?, por João Luz Soares.

Antena Aberta – Investimento estrangeiro em Portugal – Os Vistos D2, D7, Nómadas Digitais e CPLP: Questões práticas sobre os diversos vistos e as autorizações de residência

Em 2022, Portugal voltou a ser um íman de investimento directo estrangeiro (IDE). Considerado o 6º país da Europa com maior número de projectos de IDE, Portugal alcançou o maior crescimento em investimentos entre os 10 principais países europeus, de acordo com o ranking elaborado pela consultora Ernest & Young no último ano. O país combina sólidos factores de atractividade para o capital estrangeiro, que procura investir em sectores económicos emergentes como o da Inovação tecnológica, fornecimento de serviços públicos, empresariais e telecomunicações, ractificando não apenas a crescente atractividade e resiliência económica de Portugal, mas também a sua capacidade de realizar investimentos inovadores e sustentáveis, mesmo em tempos de turbulência global.
É neste contexto económico promissor e ‘aquecido’ que os escritórios Marcelo Tostes Advogados e RSA – Raposo Subtil e Associados promoverão, em 20 de setembro, às 17h (BR) – 20h (PT), a Live – Antena Aberta: “Investimento estrangeiro em Portugal – Os Vistos D2, D7, “Nómadas Digitais” e CPLP: Questões práticas sobre os diversos vistos e as autorizações de residência”.
Nesta Antena Aberta, o sócio da RSA, Pedro Gonçalves Paes (Imigração, Vistos e Nacionalidade – Operações Internacionais) e o Advogado Associado Luis Álvares de Freitas (Imigração, Vistos e Nacionalidade – Direito Imobiliário e Turismo) participarão com os sócios da MTA, Fernando Drummond (VP e COO) e Camila Morais Leite (Institucional), esclarecendo as principais dúvidas quanto às possibilidades de vistos e autorizações de residência para investimentos estrangeiros por parte de pessoas, empresas e investidores que planeiam estabelecer-se ou expandir as suas operações em Portugal e, como um todo, no mercado Europeu.
O encontro virtual contará com a moderação dos sócios da MTA e terá espaço dedicado às perguntas e respostas enviadas pelo público participante.

O Regime Jurídico das Startups e Scaleups

O Regime Jurídico das Startups e Scaleups
A recente Lei n.º 21/2023, de 25 de maio veio estabelecer o regime aplicável às Startups e Scaleups, bem como alterar o Código do IRS ( “CIRS”), o Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) e o Código Fiscal do Investimento (“CFI”).
Nos termos da referida lei passa a considerar-se start-up, a pessoa coletiva que, cumulativamente:
- a) Exerça atividade por um período inferior a 10 anos;
- b) Empregue menos de 250 trabalhadores;
- c) Tenha um volume de negócios anual que não exceda os 50 milhões de euros;
- d) Não resulte de uma transformação ou cisão de uma grande empresa e não tenha no seu capital qualquer participação maioritária direta ou indireta de uma grande empresa;
- e) Tenha sede ou representação permanente em Portugal ou pelo menos 25 trabalhadores em Portugal; e
- f) Cumpra uma das seguintes condições:
- i) Seja uma empresa inovadora com um elevado potencial de crescimento, com um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores, enquadrando-se nos termos definidos pela Portaria n.º 195/2018, de 5 de julho, ou à qual tenha sido reconhecida idoneidade pela ANI – Agência Nacional de Inovação, S. A., na prática de atividades de investigação e desenvolvimento ou certificação do processo de reconhecimento de empresas do setor da tecnologia;
- ii) Tenha concluído, pelo menos, uma ronda de financiamento de capital de risco por entidade legalmente habilitada para o investimento em capital de risco sujeita à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ou de autoridade internacional congénere da CMVM, ou mediante a aportação de instrumentos de capital ou quase capital por parte de investidores que não sejam acionistas fundadores da empresa, nomeadamente por business angels, certificados pelo IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP (IAPMEI, IP);
iii) Tenha recebido investimento do Banco Português de Fomento, S. A., ou de fundos geridos por este, ou por empresas suas participadas, ou de um dos seus instrumentos de capital ou quase capital.
Não estão abrangidas pela subalínea ii) da alínea f) do número anterior as empresas de promoção, intermediação, investimento ou desenvolvimento imobiliário, sendo que a falta de verificação dos requisitos previstos na alínea f) do n.º 1 pode ser suprida por declaração prévia emitida pela Startup Portugal – Associação Portuguesa para a Promoção do Empreendedorismo – SPAPPE (Startup Portugal) com fundamento e evidência de a requerente ser detentora de um modelo de negócio, produtos ou serviços inovadores ou de um negócio rapidamente escalável e com elevado potencial de crescimento.
Por outro lado, passou a considerar-se scaleup a pessoa coletiva que, não cumprindo os requisitos previstos nas alíneas a), b) e c) supra, mas observando os demais requisitos estabelecidos no mesmo número, reúne as condições necessárias para a obtenção da certificação Tech Visa, nos termos da Portaria n.º 328/2018, de 19 de dezembro.
Outra das novidades consiste na introdução do conceito de business angels, que são agora as pessoas coletivas que reúnam, cumulativamente, os seguintes requisitos:
- a) Sejam detidas, maioritariamente e com controlo de gestão, por pessoa individual qualificada como business angel;
- b) Tenham por política de investimentos a aquisição de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades com elevado potencial de crescimento como forma de beneficiar da respetiva valorização;
- c) Sejam micro, pequenas ou médias empresas (PME) e que apenas invistam em PME;
- d) Cuja capitalização seja, pelo menos, em 15 % aportada pelo business angel;
- e) Estejam legalmente constituídas e habilitadas a operar em Portugal.
O reconhecimento do estatuto de startup ou scaleup é realizado mediante procedimento de comunicação prévia dirigida à Startup Portugal, sendo que esta comunicação prévia é realizada exclusivamente através da Internet, no portal único de serviços públicos.
A Lei prevê a aplicação de uma coima às pessoas coletivas que deixem de reunir os requisitos de atribuição do estatuto e que não o comuniquem à Startup Portugal. A coima varia entre € 1.700,00 e € 24.000,00.
Do ponto de vista fiscal, os ganhos derivados de planos de opções, de subscrição, de atribuição ou outros de efeito equivalente sobre valores mobiliários criados em benefício de trabalhadores passam agora a ser considerados em apenas 50% do valor quando o plano seja atribuído por entidade que, no ano anterior à aprovação do plano, seja reconhecida como start-up e são agora tributados à taxa de 28% (sem prejuízo da opção pela tributação às taxas progressivas de IRS).
Para aplicação deste regime devem, ainda, preencher pelo menos um dos seguintes requisitos:
- Entidade seja qualificada como micro, pequena ou média empresa ou como empresa de pequena- média capitalização, de acordo com os critérios previstos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro; ou
- Entidade que desenvolva a sua atividade no âmbito da inovação, considerando -se como tal as entidades que tenham incorrido em despesas com investimento em investigação e desenvolvimento (I&D), patentes, desenhos ou modelos industriais ou programas de computador equivalentes a pelo menos 10 % dos seus gastos ou volume de negócios.
Prevê-se ainda um diferimento da tributação para o primeiro dos seguintes momentos:
- Alienação dos valores mobiliários ou direitos equiparados adquiridos por via do exercício da opção, sendo apurados pela diferença positiva entre o valor de realização e o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito;
- Perda da qualidade de residente em território português, sendo apurados pela diferença positiva entre o valor de mercado e o preço de exercício da opção ou direito, acrescido do que haja sido pago para aquisição dessa opção ou direito; ou
- Transmissão gratuita dos valores mobiliários ou direitos equiparados adquiridos por via do exercício ou subscrição da opção, ou do direito de efeito equivalente, sendo apurados pela diferença positiva entre o valor determinado nos termos do artigo 45.º do Código do IRS e o nos termos dos regras previstas no Código do IRS para a determinação do valor de aquisição a título gratuito e o preço do exercício ou subscrição, acrescido do que eventualmente haja sido pago para a aquisição dessa opção ou direito.
A aplicação deste regime de tributação depende da manutenção dos direitos subjacentes por um período mínimo de um ano.
Estão excluídos deste benefício previsto neste regime os sujeitos passivos que detenham direta ou indiretamente uma participação não inferior a 20 % do capital social ou dos direitos de voto da entidade atribuidora do plano ou os membros de órgãos sociais da entidade atribuidora do plano.
Este regime produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023, mas aplica-se igualmente a planos aprovados até 31 de dezembro de 2022, desde que atribuídos por entidades que, no prazo de 12 meses após a entrada em vigor da presente lei, sejam reconhecidas como startup, nos termos do regime legal em vigor, ou, possam demonstrar que na data da aprovação do plano eram qualificadas como startup.
A lei.º 21/2023 vem, ainda, reforçar o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIFE II), nomeadamente pela introdução do aumento da majoração das despesas que digam respeito a atividades de investigação e desenvolvimento associadas a projetos de conceção ecológica de produtos para 120 %; o aumento do período de validade do reconhecimento da idoneidade e do carácter de investigação e desenvolvimento das entidades para 12 exercícios e do aumento do período de reporte de dedutibilidade de despesas por insuficiência de coleta para 12 anos sendo que alterações produzem efeitos a 1 de janeiro de 2024.
O Regime Jurídico das Startups e Scaleups, por Ricardo Néry.

Falsas declarações e falsificação de documentos: crimes satélite com gravidade própria?

Falsas declarações e falsificação de documentos: crimes satélite com gravidade própria?
Os quadros de responsabilidades têm vindo a aumentar, naquilo que é um esforço legislativo presente de previsão de novos regimes sancionatórios. A necessidade de um compliance integral, adereçando modelos de cumprimento jurídico, é fundamental: porque entre prevenção de branqueamento de capitais, whistleblowing, prevenção da corrupção, aumento da responsabilidade das pessoas colectivas, e outros quadros de estipulação de obrigações legais, torna-se essencial que as entidades possam encontrar uma voz comum de tornar essas imposições em traços de conformação da sua própria cultura empresarial. Traços esses que se projectam internamente, na assunção de uma cultura de transparência e integridade, mas também externamente no mapeamento dos objectivos de desenvolvimento (para os outros) das próprias entidades.
Neste mundo aparentemente sofisticado da criminalidade económica é fácil esquecer ou relativizar aquilo que é a necessária consideração de ilícitos criminais “comuns” (lidos como tradicionais) que, no entanto, existem nestes quadros de criminalidade e que, muitas vezes, até, são encarados como crimes instrumento – auxiliares à práticas daquele outros crimes. Falamos, entre outros, dos crimes de falsas declarações e falsificação de documentos. Estes crimes, e aqui entendidos como crimes auxiliares, não terão, no entanto gravidade própria? E aqui gravidade num duplo sentido: entendida enquanto sinónimo de autonomia e relevância; e, claro, entendida enquanto quantum/medida de quão grave podem ser os comportamentos que, sobre a sua alçada (de previsão de comportamentos globais), acabam por ser punidos.
A partir de 20131 o crime de falsas declarações, previsto e punido pelo artigo 348.º-A do CP, passou a ter uma nova estrutura e desenho. Pratica este ilícito quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, sendo que a moldura penal pode ir até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. É interessante verificar que este crime tem um âmbito mais alargado: deixa de se confinar apenas às declarações recebidas como meio de prova em processo judiciário, ou equivalente, passando a constituir ilícito criminal igualmente as falsas declarações que sejam prestadas perante autoridade pública ou funcionário público no exercício das suas funções e se destinem a produzir efeitos jurídicos.
Assim, qualquer pessoa que emita declaração ou ateste sobre algum dos factos referidos no tipo de ilícito criminal previsto, pode ser seu agente, mas o legislador limita os respectivos destinatários às categorias de intervenientes passivos referidos no art. 348º-A, ou seja: autoridade pública ou funcionário no exercício das suas funções, circunstância esta que gera uma especial força probatória para a declaração2.
Numa aplicação prática, no entanto, esta incriminação tem algumas fragilidades operativas. Existem alguns problema de tipicidade uma vez que o caminho amplo de tipificação é marcado por alguma indeterminação e tem suscitado algumas dúvidas sobre o âmbito de aplicação. Utilizam-se conceitos pouco explícitos e pouco acessíveis, não se determinando o seu significado jurídico – quais são os tipos de qualidades que se exigem à uma declaração? Que bens jurídicos são tutelados? Este pontos são de necessária precisão sob pena de processos punitivos desadequados, desnecessários ou desproporcionais, sendo que o tipo penal sempre beneficiaria da previsão de um aditamento de um elemento subjetivo específico.
Relativamente ao crime de falsificação ou contrafação de documentos, previsto no artigo 256.º do Código Penal, prevê-se que quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as situações anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
Atenção que se os factos em causa disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão dentro de uma moldura reforçada de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias; e se esse factos forem praticados por funcionário, no exercício das suas funções, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Este crime comporta diversas modalidades de conduta, como vimos3, sendo que no plano subjectivo exige o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade; bem como, ainda, o dolo específico, plasmado na intenção de causar prejuízo a terceiro, de obter para si ou outra para pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime.
Aqui chegados, percebemos imediatamente que embora as molduras iniciais sejam limitadas, e sempre abaixo do limite referencial dos 05 anos, a verdade é que, especialmente no crime de falsificação, existe uma consideração do ordenamento pela protecção do bem jurídico. Assim se a sua gravidade – entendida como relevância e autonomia – parece estar limitada (1) pela previsão do modelo de moldura e (2) pelo seu carácter de crimes instrumentos/auxiliares, a verdade é que a projecção deste tipo de crimes acontece, precisamente, na sua capacidade de estar, sempre, no local errado, à hora errada. De facto, encarados como crimes facilitadores de outros tipos penais mais sofisticados, este crimes acabam por ter uma importância espectral na medida que, normalmente, estão acoplados a ilícitos criminais mais graves.
Se esta importância tarda a ser reconhecida – por todos os intervenientes jurídicos – parece certo que o legislador já começa, mesmo nesse espectro de criminalidade económica, a reconhecer a sua importância. Veja -se que a Lei 89/2017, de 21 de Agosto, referente ao regime jurídico do registo central do beneficiário efectivo, prevê, no seu artigo 38.º , a responsabilidade criminal e civil para Quem prestar falsas declarações para efeitos de registo do beneficiário efetivo, para além da responsabilidade criminal em que incorre, nos termos do artigo 348.º-A do Código Penal, responde civilmente pelos danos a que der causa.
Se este bad by association está a receber, como vimos, resposta de direito, é necessário que passos complementares sejam dados: reconhecendo a importância destes tipos de crime como facilitadores de comportamentos de criminalidade económica mais grave; reconhecendo a importância deste tipo de crimes para lá, precisamente, desses quadros.
1 Art. 4º da Lei n.º 19/2013.
2 Trata-se de um crime específico próprio, isto é, o ilícito exige uma especial qualidade do agente – a qualidade de declarante ou pessoa que atesta sobre algum dos elementos referidos no tipo legal.
3 a) fabricar documento falso; b) falsificar ou alterar documento; c) abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e) usar documento falso (nos termos referidos nas alíneas anteriores); f) facultar ou deter documento falsificado ou contrafeito.
Falsas declarações e falsificação de documentos: crimes satélite com gravidade própria?, por João Luz Soares.